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Ensaio Sobre a Cegueira

publicado em:27/10/08 11:23 PM por: Kamila Azevedo Cinema

É certo dizer que o cinema, ultimamente, tem voltado o seu olhar para o ser humano, de forma a tentar compreender um pouco as transformações pelas quais o mundo em que vivemos passou. Filmes como “O Nevoeiro”, de Frank Darabont, desnudam o homem de uma forma totalmente desconfortável ao relatar – sem metáforas narrativas – nossas ações e, em conseqüência, ao revelar tudo aquilo que temos de melhor, ao mesmo tempo em que mostra o que temos de pior.

 

“Ensaio Sobre a Cegueira”, filme baseado na obra homônima do português José Saramago e dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles, segue esta tendência. O longa se passa numa cidade cosmopolita, em que pessoas de origens diferentes convivem. A harmonia é ameaçada quando os habitantes da localidade começam a ser acometidos por uma epidemia de “cegueira branca” (a qual é retratada de forma perfeita pela excelente fotografia de César Charlone). Aos poucos, os “doentes” vão ser colocados em quarentena. Mas, o que acontece quando as pessoas estão em seu estado mais frágil, lidando com algo desconhecido e que elas não sabem se será permanente ou temporário?

 

É justamente a esta pergunta que o roteiro escrito por Don McKellar (que participa do filme como o ladrão – a segunda pessoa a ser acometida pela “cegueira branca”) tenta responder. Grande parte de “Ensaio Sobre a Cegueira” se dedica a mostrar os cegos tentando aprender e se adaptar a viver em uma nova comunidade, criando regras e escolhendo líderes. É de se esperar que, neste novo ambiente, exista uma preocupação com a moral, com a dignidade – afinal, todos (com exceção da esposa do médico – vivida com maestria por Julianne Moore) estão na mesma situação –, mas o que se vê é o desenho trivial do homem estragando tudo com sua esperteza e trazendo o caos e a desordem para uma sociedade que não tem o seu alicerce bem fundamentado.

 

Colocando no papel, “Ensaio Sobre a Cegueira” parece ser uma obra muito pessimista, mas o diretor Fernando Meirelles e o roteirista Don McKellar transpuseram para a tela aquilo que de melhor o livro de José Saramago possui. Assim como acontece em “O Nevoeiro” (que muitos vêem como a prova de que a humanidade é um caso perdido), acreditamos que este filme mostra, na realidade, que não estamos livres daquilo que é ruim. Tudo pode acontecer bem perto de nós e devemos estar preparados. A mensagem é que precisamos ter um pouco mais de fé, especialmente naqueles que estão mais próximos de nós.

 

Cotação: 9,0

 

Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness, 2008 )

Diretor: Fernando Meirelles

Roteiro: Don McKellar (com base no livro de José Saramago)

Elenco: Julianne Moore, Mark Ruffalo, Alice Braga, Danny Glover, Gael Garcia Bernal



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Comentários


Oi, Kamila!

O filme é sensacional! Assim como o livro.
Mas o mais impressionante para mim foi conseguir sentir as mesmas coisas que eu senti quando li.

Beijocas

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Kami, estava ansioso pelo seu texto e o achei excelente.

Mas, como vc bem sabe, eu tive problemas com o filme. Esperava algo de, no mínimo, duas horas e meia de duração. Achei tudo muito corrido, o final do filme mal explorado; e a exclusão de partes que, a meu ver, eram, sim, muito importantes para o longa. Além de alguns cortes (como a visita à casa de Alice Braga, por exemplo), a diminuição de cenas extremamente relevantes como a da Igreja e o banho das três mulheres. A fotografia é, na minha opinião, bem óbvia: esperava que fosse daquele jeito mesmo. Mas este óbvio não quer dizer que seja ruim, LONGE DISSO. Na parte técnica, o que mais me impressionou foi a extraordinária direção de arte.

De qualquer forma, sabes que minha nota é um 7,5. Apesar destes adendos negativos, parabenizo (ao mesmo tempo que reprovo) Meirelles e McKeller que, mesmo tirando e diminuíndo passagens, conseguiram inserir toda a essência do livro de Saramago.

Bjos!

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Ah, outra coisa! Vi que assistiu Última Parada 174. Em poucas palavras (por que sei que escreverá sobre e não quero estragar a surpresa, hahaha), o que achou?

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O roteiro, assinado por Don McKellar (“O Violino Vermelho”), tem um início vagaroso, mas aos poucos ganha dinamismo e qualidade. A história foi adaptada com base na obra de José Saramago, único escritor da língua portuguesa a receber o prêmio Nobel de literatura.

Outro ponto relevante em “Ensaio Sobre a Cegueira” são as fortes cenas, sempre alfinetando o espectador. Com analogias e críticas severas ao atual sistema econômico e principalmente ao caráter das pessoas, a trama faz-nos repensar seriamente sobre o real significado de nossas vidas e o papel que exercemos na atual sociedade. Será que realmente somos capazes de tudo? Até onde vai a nossa honra e a nossa fé? Estes e outros pontos e paradigmas são colocados em xeque nesta bela produção de Meirelles.

As atuações de Mark Ruffalo (“Zodíaco”), Danny Glover (“Máquina Mortífera”) e Gael García Bernal (“Amores Brutos”) são estupendas e dispensam comentários. Mas quem roubou a cena foi a protagonista Julianne Moore (“Filhos da Esperança”), numa interpretação maravilhosa e desumana na pele de uma mulher imune à cegueira branca e esposa de um oftalmologista, que também foi afetado pela epidemia.

A trilha sonora também marca presença e casa-se bem com as imagens. A produção é de primeira e contou com nomes como Andrea Barata Ribeiro (“O Banheiro do Papa”), Niv Fichman (“A Última Noite”) e Sonoko Sakai (“Paixão Proibida”).

“Ensaio Sobre a Cegueira” foi exibido na noite de abertura do Festival de Cannes deste ano. Um filme cru, cruel e que serve, ao menos, como um empurrãozinho para reavaliarmos nossas reais pretensões em frente ao mundo e a sociedade.

NOTA (0 a 5): 4
****

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Cecília, interessante seu comentário. Gosto muito do livro do Saramago e confesso que o filme não me afetou tanto quanto o livro. Beijos!

Kau, não acho que o desenvolvimento do filme tenha sido corrido. E acredito mesmo que a adaptação reflete aquilo que tem de melhor no livro do Saramago, incluindo os cortes feitos em certas passagens do livro. Sobre “Última Parada 174”: o longa tem pontos positivos, mas o momento de clímax (o sequestro do ônibus) não causa efeito algum na gente. Beijos!

Anderson, concordo com muito do que você escreveu, especialmente no último parágrafo.

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É um filme tecnicamente impecável, mas o Meirelles poderia ter ido mais além. Mas ele fez um ótimo trabalho com o (também ótimo) material que tinha em mãos.

Abraço!

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Belíssimo texto, Kamila, inclusive estou me perguntando o motivo de ainda não ter visto esse filme no cinema – ok, falta de tempo, afinal faz muito tempo (mesmo) que não freqüento a sala escura. Enfim, a comparação com “O Nevoeiro” foi particularmente perfeita!

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Pedro, entendo o que você quer dizer com “ir mais além”, mas, como disse no texto, acho que o Meirelles fez um filme que mostra o que o livro de Saramago tem de melhor. Abraço!

Vinícius, obrigada! E tire um tempinho para assistir a este filme no cinema, porque ele merece!

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Estou ansioso para conferir. Pelo que soube é o tipo de obra feita para cinéfilos.
Ah, só fiquei um pouco intrigado com a comparação com O Nevoeiro. Não consegui ver tanta impacto dramático nessa obra.

Abs!

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Ramon, exatamente. Me lembro do texto de vocês sobre “O Nevoeiro”. Eu gostei bastante do longa do Frank Darabont. Achei um dos melhores filmes de 2008, até agora. Abraços!

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Kamila, eu vejo mais pessimismo do q esperanca na obra de Saramago, portanto fiquei curiosa pra ver essa visao do Meirelles, visto q eu pensava q o filme seria exatamente como o livro (ouvi dizer q ele foi bastante fiel). Quero muito ver este filme!

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Oi Kamila! Gostei do filme. Tenso, nervoso, angustiante. Fiquei com ele na cabeça durante dias. Destaque para a direção de arte. Incrível como eles conseguiram transformar São Paulo numa cidade “fantasma”. Excelente trabalho. Melhor até do que a tão elogiada fotografia. Um abraço!

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Olá, Kamila! Tdo bem? Estou indo, obrigada! 😉

Primeiramente, quero parabenizá-la pelo texto bem escrito! Infelizmente, ainda não vi “Ensaio sobre a Cegueira”, mas eu já providenciei a leitura do livro (ainda bem que as férias estão chegando, rsrs). Alguns críticos detonando, mas o que importa para mim é que Saramago amou o filme! 😉

Fique bem e tenha um bom resto de semana!!!

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Milla … mas tem duas diferenças entre O Nevoeiro e Cegueira

1- O Nevoeiro não lambe a sombra da unha do pé de Ensaio
2- O conto de King tem pressupostos ridiculos e peca pelas informações ruins de engolir … mas a Carmody “salva” da mediocridade …

Ensaio Sobre a Cegueira tem elementos importantes que fazem ficar na cabeça do espectador e principalmente em transformar sabiamente no segundo personagem da trama e sentir o que eles sentem e principalmente em nunca contar o que é a cegueira ou saber o que é … Subjetividade é isso ai …

Beijos Milla

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Romeika, como eu disse, o roteiro mostra o que de melhor tem no livro do Saramago. A essência da obra está em tela. Acho que você vai gostar da adaptação.

Alex Sandro, não só São Paulo, como as outras cidades em que “Ensaio Sobre a Cegueira” foi filmado ficaram totalmente fantasmas!

Mayara, tudo bem, obrigada. E com você? Concordo com você. O Meirelles tinah mesmo era que agradar o Saramago. E, que bom que o escritor português adorou e se emocionou com o filme. Abraços e boa semana para você também!

João Paulo, claro que existem diferenças entre os dois filmes, mas eles possuem um tema único em comum: lançam um olhar sobre o homem em situações horríveis. Beijos!

Otavio, obrigada! Beijos!

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Kamila, concordo com sua ideia de Ensaio, apesar de achar que nada tem a ver com O Nevoeiro.

Acho que o filme, assim como o livro, tem sim um lado positivo, principalmente no final melancolico, mas sincero e bonito.

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Cassiano, exatamente. O filme e o livro não são nada pessimistas. A minha comparação com “O Nevoeiro” é porque é um filme que, assim como “Cegueira”, fala sobre o ser humano na sua pior forma.

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Concordo! Achei um belo filme que, tristemente angustiante pelo seu retrato da humanidade deplorável, encerra-se com um desfecho tão esperançoso quanto contundente. Adorei.

Nota 8,5

Ciao!

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[…] fotografia (de Mauro Pinheiro Jr.) claramente inspirada no trabalho que César Charlone fez em “Ensaio Sobre a Cegueira” -, e, diante de nós, estas pessoas vão se desenrolando em contos que falam sobre a busca pelo […]

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