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Lendo – Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres

publicado em:25/05/10 11:05 PM por: Kamila Azevedo Livros

“… alivia minha alma, faze com que eu sinta que Tua mão está dada à minha, faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que eu sinta que amar é não morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte e sim a vida, faze com que eu sinta uma alegria modesta e diária, faze com que eu não Te indagues demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que eu receba o mundo sem medo, pois para esse mundo incompreensível nós fomos criados e nós mesmos também incompreensíveis, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-me para que eu viva com alegria o pão que como, o sono que durmo, faze com que eu tenha caridade e paciência comigo mesma, amém”. (p. 115)

Em muitos aspectos, “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres” é um dos livros mais complexos e, ao mesmo tempo, mais simples escritos por Clarice Lispector. Complexo porque seus personagens instigam a gente a querer mergulhar cada vez mais no íntimo deles. Simples porque sua intenção e missão é totalmente clara. A história que Lispector nos relata é a jornada de uma mulher chamada Lóri em busca de aprender algo que todos nós deveríamos valorizar: a capacidade de reconhecer a beleza dos momentos da vida, até daqueles que nos parecem ser mais frívolos e triviais – e vivê-los da mesma forma intensa quanto aqueles que nos são mais caros.

Toda a jornada vivida por Lóri tem um único objetivo: o homem que ela ama, o professor Ulisses só a aceitará como mulher quando achar que ela está pronta. O estar pronta, para ele, significa que Lóri tem que, além de tudo, amar a si mesma primeiro para poder se entregar a um outro alguém. Neste jogo, quem dá as cartas totalmente é Ulisses – ele que toma todas as decisões referentes à relação. O tempo inteiro, ele mostra para Lóri que a conhece muito bem e sabe quem ela é (inclusive, é ele que joga a verdade na cara dela: a de que ela se esconde atrás da dor, para não viver plenamente). Enquanto isso, Lóri, confusa e perdida, tem que se descobrir como mulher.

“Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres” mexe com conceitos bem interessantes. Apesar do medo da entrega, Lóri se sente totalmente atraída por Ulisses – porém, não sabe lidar com sua própria sexualidade, sensualidade e beleza. Os dois são muito vaidosos e gostam da maneira como um enxerga o outro. O conhecimento dele gera desejo nela. O mistério dela gera desejo nele. E, neste ínterim, Lóri aprende a sentir, a ser independente, a descobrir, a brincar com seus limites – sempre, é importante frisar, mantendo aquele medo e frio na barriga dentro de si.

Neste sentido, a impressão que fica, ao final da leitura de “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres” é a de que fomos testemunhas de uma longa preliminar entre um casal. Tudo que lemos culmina no capítulo final da obra (que é bem sensual, sem cair na vulgaridade), o qual relata o encontro definitivo de Ulisses e Lóri como homem e mulher, quando ambos experimentam da intensidade daquilo que sentem e que ficaram guardando dentro de si por tanto tempo. E é justamente daí que vem o maior aprendizado de Lóri: “sei que meu caminho chegou ao fim: quer dizer que cheguei à porta de um começo”. A jornada de Lóri, portanto, está só começando.

Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres (1969)
Autora: Clarice Lispector
Editora: Rocco

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A última modificação foi feita em:outubro 21st, 2019 as 6:29 pm


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Comentários


clarice, mais uma autora q eu tenho que ler mais =/
me lembro de ter comprado a hora da estrela e ter deixado para minha mãe ler, ela simplesmente nao entendeu o livro, haeuhaeuaeh.

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Thyago, “A Hora da Estrela” foi a primeira obra dela que eu li! Agora, estou me dedicando à bibliografia dela. E estou AMANDO cada livro que leio!

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Um dos melhores livros de Lispector.
Na verdade, ao lado de PERTO DO CORAÇÃO SELVAGEM e A PAIXÃO SEGUNDO G.H., o livro consegue mostrar como o ser humano busca seu próprio sentido de mundo, tanto amoroso quanto reflexivo, como maneira de auto-compreensão.

Ulisses é, nada mais, que a própria idealização do Homem Perfeito: é tudo que Lóri busca em alguém, a busca pelo artifício do amor sentido…as chances de aprender com o amadurecimento de uma vida a dois…todos os questionamentos sobre sentimento, noção de mundo, capacidade de se sentir valorizada como mulher…
– buscando este Homem Ideal, ela recorre a si mesma…num jogo de conquista íntima, de auto-reflexão sentimental, de aceitação feminina, ela entende-se e consegue observar que o amor é o respirar da própria existencia…há quem diga que Ulisses só permanece no seu próprio pensamento, é algo imaginário, uma idealização que de fato só permeia seu subjetivo…

E Lóri aprende muito com ele, isso é fato.

Um livro intenso!

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Tenho muita curiosidade de conhecer Clarice Lispector. Futuramente pretendo ler uma obra sua, muitas pessoas já me indicaram, mas a fila tá graaande!

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Clarice Lispector sempre tem vez no Cinéfila por natureza. Assim como o Thyago, li pouco da autora, embora já tenha lido algumas de suas principais obras. De qualquer maneira, não me julgo responsável a discorrer tão bem sobre sua obra quanto vc Ka. Parabéns pela construção do texto.
Bjs

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Cristiano, ainda não li estes livros que você citou. Adorei seu comentário sobre Ulisses. Eu concordo muito com sua visão sobre ele. E o livro é intensíssimo mesmo!

Fael Moreira, pois a conheça. A considero a maior autora brasileira de todos os tempos, quem sabe uma das melhores de todos os tempos de todo o mundo.

Reinaldo, sempre terá vez aqui! 🙂 Obrigada! Beijos!

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Esse é um dos livros da Clarice que quero muito ler. E quero começar a procurar por mais obras delas, desde de um seminário que fiz sobre ela no ano passado, quando tive que ler os que tinha disponível, como “Laços de Família”.

Beijos! 😉

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Mayara, ainda não li “Laços de Família”, mas ele está aqui na fila. Beijos!

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[…] por meio de personagens que ela mesma criou (para os livros “Perto do Coração Selvagem”, “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres” e os contos “Amor” e “Perdoando Deus”) somos confrontados com a crueza e a força de […]

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