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Melancolia

publicado em:19/10/11 1:10 AM por: Kamila Azevedo Cinema

Não leve ao pé da letra o título de “Melancolia”, filme dirigido por Lars Von Trier. Ele não trata a respeito do sentimento que permeia toda a trama da obra. Pelo contrário, o título se refere ao nome do planeta que está prestes a se chocar com a Terra, dizimando todo e qualquer traço de vida humana. Neste sentido, um dos aspectos mais surpreendentes de “Melancolia” é que ele tem um primeiro ato um tanto eufórico, coisa que não é típica dos filmes do diretor dinamarquês, um profissional afeito ao lado obscuro dos sentimentos humanos.

A alegria vem do clima de amor e de comunhão que presenciamos no casamento de Justine (Kirsten Dunst) e Michael (Alexander Skarsgard), numa festa organizada de forma muito cuidadosa pela irmã mais velha de Justine, Claire (Charlotte Gainsbourg, numa grande atuação). Aos poucos, Lars Von Trier vai mostrando que tudo não está tão perfeito como está sendo retratado em tela. A noiva tenta esconder – sem sucesso – seu estado de depressão, a mãe da noiva (Charlotte Rampling) acha tudo aquilo ali uma verdadeira hipocrisia, o patrão da noiva (Stellan Skarsgard) não deixa de lado a sua ganância nem por um instante, o cunhado da noiva (Kiefer Sutherland) só pensa no dinheiro que gastou naquela festa, o pai da noiva só quer beber e curtir a festa, o noivo mantém uma eterna cara de preocupação – especialmente com sua jovem esposa – e a irmã da noiva tenta manter tudo sob controle.

Se tem uma coisa que podemos tirar da primeira parte de “Melancolia” é que Lars Von Trier, provavelmente, acha que o mundo está completamente desvirtuado de seus valores, uma vez que todos olham somente para o seu próprio umbigo e se recusam, por exemplo, a conversar ou a ouvir Justine, uma pessoa que, claramente, quer dividir seus problemas, seus anseios e suas questões com os outros, os quais, por sua vez, preferem conversar às escondidas, como se os problemas vividos pela noiva fossem algo a se manter embaixo do tapete, uma vez que as aparências precisam ser mantidas, especialmente num momento como aquele, supostamente, de alegria.

O estudo de personagem é uma das coisas mais positivas de “Melancolia”. Se, na primeira parte, Lars Von Trier destrincha Justine; na segunda, ele mergulha fundo na personalidade de Claire. Toda a história do filme nos é contada pela perspectiva desses dois olhares. O momento antes da vida na Terra estar prestes a chegar ao fim e o instante depois, em que a vida está por um fio, devido à iminente colisão do planeta Melancholia com o planeta Terra. Enquanto Justine paira sobre a vida, com seu olhar totalmente inerte, Claire continua dedicada à sua missão de juntar os cacos e se vê completamente sem controle emocional e em pânico quando percebe que as coisas não dependem mais dela mesma para ocorrer. Parece que a vida dela só faz sentido quando o mundo necessita dela.

O contraste desses dois pontos de vista acaba nos revelando algo que é resumido por uma frase que Justine fala em uma das cenas de “Melancolia”: “a vida acontece somente na Terra. E não por muito tempo”. Para quê se preocupar com as minúcias das coisas, como Claire, para nada? É melhor ficar inerte como Justine e ver a vida passar, de forma passiva? Essas são perguntas que “Melancolia” levanta, mas não nos ajuda a encontrar respostas. Talvez, a coisa mais definitiva que fica e que está expressada numa belíssima cena (importante mencionar também que o diretor usou a trilha sonora de uma forma perfeita, com imagens quase poéticas sobre o fim do mundo) é a impressão de que Lars Von Trier quer mais que o mundo, como ele está agora, se exploda!

Cotação: 8,5

Melancolia (Melancholia, 2011)
Direção: Lars Von Trier
Roteiro: Lars Von Trier
Elenco: Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Kiefer Sutherland, Charlotte Rampling, John Hurt, Alexander Skarsgard, Stellan Skarsgard, Cameron Spurr



Jornalista e Publicitária


Comentários


Belo texto! Na minha opnião um dos melhores filmes desse ano. Concordo contigo em muitos aspectos, mas acho q a intenção de Von Trier era fazer um estudo sobre a tristeza mesmo, por isso o nome de Melancolia para o tal planeta. É louvavel como ele consegue extrair beleza de toda aql agrura. Um dos seus trabalhos mais sinceros e artisticos, diria q seu melhor filme.

Abs!

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ual! um dos melhores textos que eu ali a respeito do filme. as últimas palavras dizem tudo: von trier realmente que que o mundo “se exploda”. agora, aquela confusão em cannes até fez sentido pra mim.

[]s

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Infelizmente me ausento de um debate que pode ser espetacular que é desse filme, mas como você sabe, a censura que o filme recebeu aqui não adianta … e pior é saber filmes como esse (mesmo odiando o diretor) tem que conferir no cinema.

Beijos Milla!

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Celo, obrigada! Sim, também acho que ele fala sobre a tristeza e, para isso, utiliza o contraponto da tristeza vista pelo olhar das duas irmãs. Abraços!

Raspante, obrigada! Abraços!

João, uma pena a censura, mas espero que você tenha a oportunidade de assistir a este filme no cinema! A obra merece! Beijos!!!

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Estava só esperando a sua opinião, Ka, para ver se engulo o ódeio que eu tenho por esse ser e assisto seu filme. Vou conferir.

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Gostei das suas ilações em relação ao filme. Mas discordo veementemente quando vc exorta ao leitor a não levar ao pé da letra o título do filme. Acho que uma das muitas figuras de linguagem que Von Trier faz é justamente aí. Essa melancolia que surge inesperadamente e que não temos como lidar com ela…
Enfim, um belo filme.
Bjs

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Kamila tem diretores que realizam filmes em que o espectador consegue obter inumeras leituras de seus filmes.Stanley Kubrick,David Lynch,Charlie Kauffman,Terrence Malick e Lars Von Trier são ótimos exemplos.Você sabe que quando eu critico algum filme eu procuro evitar a idéia de:esse filme é o melhor e esse é o pior.O que pode ser bom pra mim pode não ser para você,mas a pessoa tem que argumentar os motivos de gostar ou não.De todos os diretores que eu citei o que não me atinge emocionalmente é David lynch,prefiro achar que não “consigo digerir” seus filmes.Os outros eu gosto muito,Kauffman é o maior exemplo de roteirista que me faz “viajar na maionese” hehehe,eu vejo “Adaptação” e “Brilho Eterno…” e faço inumeras leituras de ambas as obras.Terrence Malick é outro exemplo,já vi a “A Árvore da Vida” duas vezes e o filme me toca de forma profunda,considero uma obra prima.Aonde eu quero chegar com tudo isso?Lars Von Trier é claro e minha “experiencia cinematografica” com esse diretor(já antecipo que eu gosto muito dos filmes dele).Não vou falar de “Dançando no Escuro” e “Dogville”,minha experiencia de reflexão foi com outro filme dele:

“Anticristo”-Quando eu vi a primeira vez fiquei chocado.Uma cena de sexo na abertura do filme,belissimamente bem fotografado,com uma trilha perfeita(ópera) e tudo filmado de forma brilhante.O casal(Charlotte Gainsbourg e William Dafoe)transam e a criança cai da janela e a mãe aflita se sente culpada pela tragedia.Depois temos masturbação,uma cena de nu frontal(em portugues claro uma vagina arreganhada rss),a morte de um animal(parece real) e outras imagens que parecem bizzaras mas que tem total conexão(pelo menos pra mim).E toda vez que vejo “Anticristo” eu gosto mais do filme.Penso em religião,no papel da mulher na sociedade,no amor incondicional de uma mãe por um filho,na relação de culpa que todos nós temos com traumas do passado,de conviver com uma dor ou uma tristeza que muitas vezes não temos culpa e por aí vai…é um filme pertubador que cada vez que eu vejo parece um novo filme.E sou mais fã de Lars Von Trier quando ele declara que a inspiração para “Anticristo” veio de um momento de profunda depressão que ele teve.Quer um cineasta mais autoral que esse?Já sei um remédio para curar minha ansiedade em relação a “Melancolia”:rever “Anticristo”.Não espero a hora de ver esse filme.

*Kamila você que já assistiu “Melancolia” pode me responder.Se o Lars Von Trier não tivesse falado aquelas bobagens de hitler em Cannes vc acha que o filme ganharia a Palma de Ouro?não se esqueça que “A Árvore da Vida” é um filmaço.

Beijos

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Paulo, David Lynch também não me atinge emocionalmente. Na verdade, os filmes dele me parecem ser sempre sobre o nada. O único filme que eu gosto dele é justamente aquele de narrativa linear, “História Real”, que acho belíssimo! “Anticristo” é um filme agoniante. Não é o tipo de filme que qualquer pessoa consegue terminar. Eu não gosto… Apesar de apreciar seus aspectos técnicos, como a fotografia, especialmente. E, mesmo se não tivesse falado bobagens, “Melancolia” não teria vencido a Palma de Ouro, ainda mais num ano que tinha “The Artist”, que parece ser uma das obras primas do ano. Ainda não assisti “A Árvore da Vida”. Beijos!

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Adorei seu texto, Kamila, assim como adorei Melancolia quando o vi no último sábado. É o filme de Lars Von Trier com final feliz, que conta uma fábula de fim do mundo sem focar necessariamente em como ele acaba, mas no processo inteiro. E a análise que ele fez de Justine – aqui, Kirsten Dunst provando novamente o quanto é uma atriz maravilhosa – e Claire é intensa, não há como não sentir.
Abração!

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Pedro, mas, por quê ódio desse filme??

Reinaldo, obrigada! Eu também acho que o leitor pode levar o título ao pé da letra, pois, de uma certa forma, o filme tem muita melancolia…. Beijos!

Gabriel, obrigada! Achei interessante você dizer que esse filme tem final feliz… Mas, gosto pra caramba do estudo de personagens que ele faz nesse filme. Abraço!

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Não gosto de Lars Von Trier. Provavelmente ele também não gosta de mim.

Mas ainda vou ver o filme. Bela crítica, moça!

Bjs!

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Linderval, que bom! Espero que você goste! 🙂

Otavio, eu não sou a maior fã dele, mas entendo que não consegue gostar do cinema dele. É complicado o que ele faz, sim. Obrigada! 🙂 Beijos!

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Ainda não pude conferir, acredita? Mas, seu ÓTIMO texto me trouxe mais perto do filme…quando eu conferir, volto aqui pra refletir mais contigo, tá? Beijo!

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Eu tenho ódio é do Trier! Já não gostava dele quando lia que ele era exigente, austero e autoritário nas gravações, depois da polêmica em Cannes então… o odiei.

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Cristiano, obrigada. E espero você assistir pelo filme e gostar dele. 🙂 Beijo!

Pedro, ah, entendi!! Muita gente não gosta dele mesmo e isso é compreensível… Mas, acho que você poderia separar ele do cinema que ele faz. 🙂

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E não é porque ele falou isso ou aquilo. Ou deixou de falar. Não gosto é do estilo dele. Não gosto do cinema que ele faz.

Bjs

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Otavio, eu sei disso! 🙂 O cinema dele é difícil mesmo. Eu mesma não sou a maior fã dele. Beijos!

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Eu que odiei Anticristo, fiz as pazes com o Von Trier nesse filme. Isso porque tudo parece estar no seu lugar certo, eu consigo perceber exatamente onde o diretor quer chegar e como ele faz para alcançar isso. Trabalho de câmera, encenação, direção de atores, tudo está à serviço daquela história potente. Vê-se isso pelas duas partes distintas que o filme tem e pelo tom diferenciado empregado em cada uma delas. Ou seja, existe conceito no filme, e isso só nos revela o grande diretor que Von Trier consegue ser.

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Rafael, assim como você, também não gostei de “Anticristo” e fiz as pazes com Von Trier em “Melancolia”. O filme é muito bom. Especialmente nisso que você citou: conceito.

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Tratado sobre o suicídio
Decididamente: eu não admiro os enforcados.
Estar ali, pendurado
instalação surreal
arte macabra, inusitada
lentos movimentos
cronometrando o tempo
emulando pêndulos
que não estimulam o gênio
de Galileus ou Galileis.
Afora o trabalho que dá
muitos elementos a considerar
precisa-se de uma corda
um banquinho bem alto
uma viga para amarrar a corda.
Massa corpórea
vezes altura do banquinho
vezes comprimento da corda
vezes pressão atmosférica
vezes força da gravidade
vezes alinhamento de Marte com Saturno
vezes cotação do dólar:
haverá na física uma fórmula
que possa livrar o suicida
da tortura do último cálculo?
Não, essa forma não me cabe
imagino o desconforto
não gosto que nada aperte-me o pescoço
afrouxo a gravata nos dias ensolarados.
Um tiro na cabeça é outra forma de despedir-se
os neurônios remanescentes nem tem tempo de reagir
mas… descarto…
meu ouvido é sensível
não quero levar para o além o cheiro da pólvora
nem o eco do estampido
do último tiro
disparado próximo ao ouvido.
Outros preferem saltar de edifícios
executam evoluções aéreas até que mergulham em lagos de granito
A turba está agitada,
não é todo dia que se assiste um suicídio
A área é isolada,
alguém empunha uma faixa
“Por favor, não pule !”
Chegam a imprensa, os bombeiros, o celular com a voz de um amigo
A multidão quase não pisca ou respira
Oh, meu Deus! Tomara que não pule! Ele não pode pular!
Mas lá no fundo, bem no fundo, torcem pelo pior,
para que possam chegar em casa e anunciar em primeira mão:
“Eu estava lá, eu vi, foi horrível ! …”
Eu gostaria de frustrar essa gente que não torce por nós
que põe holofotes sobre nossas tragédias
que assentam-se em arquibancadas
e assistem nossa vida como se ela fosse um picadeiro de circo.
Eu iria lá no fundo do prédio,
onde ninguém estivesse olhando e,
sem nenhum sinal ou aviso,
pularia e diria bem baixinho: good bye.
Mas … não … não faria isso…
poderia cair sobre um passante, um transeunte.
E… se jogar na frente de um carro?
Não, também não, muito deselegante
estragaria a lataria do carro alheio
e não ficaria por aqui para pagar o conserto…
há de considerar-se, ainda,
que o atropelado não pode ser tocado
até chegar a perícia
torna-se um morto inconsequente
ao causar um dos maiores suplícios das grandes metrópoles:
tráfego – de – veículos – interrompido.
Não concordo com isso ou aquilo
A morte deve causar o mínimo de consequências possíveis
para aqueles que não tem nada a ver com isso
não pode atrapalhar o trânsito de veículos ou destinos.
E… queimar-se?
Sem chance, só se o cérebro morresse primeiro.
lanço a polêmica: incinerar-se não é suicídio, é auto-punição
o corpo arde enquanto o cérebro
fica protegido, blindado,
dentro da caixa craniana
cada segundo é eterno
e a mente consciente espera
uma morte tão lenta que parece que nunca chega…
Então… afogamento? Sufocamento? Tipo, morte por asfixia?
Nem pensar, já tô ficando com falta de ar…
Todas as formas são horríveis
tudo causa angustia, dor, sofrimento…
Ah… quem dera…
morrer sem sofrer
morrer sem sentir dor
morrer uma morte suave
morrer com beleza, com poesia…
como estar assim,
sentado sobre o piso de azulejos
a água quente caindo do chuveiro
uma névoa branca de vapor
perfumada, por misturar-se ao cheiro
de sabonetes e xampoos
e um líquido vermelho, viscoso, jorrando
do corte profundo no pulso
diluindo-se na espuma branca
e criando belos degrades
que vão do vermelho sangue ao rosa-bebê
esvaindo-se pelo ralo junto com a água, junto com a vida
e essa dormência, e esse torpor, e essa tontura…
e essa deliciosa… vontade… de dormir…

http://progcomdoisneuronios.blogspot.com

.

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