Flores Raras
“No teu cabelo negro brilham estrelas cadentes, arredias. Para onde irão elas tão cedo, resolutas? – Vem, deixa eu lavá-lo, aqui nesta bacia amassada e brilhante como a lua”. Este é um trecho do poema “O Banho de Xampu”, escrito por Elizabeth Bishop, norte-americana que é considerada uma das mais importantes poetisas do século XX. A cena que retrata o momento de inspiração deste poema é de uma intimidade absoluta e um dos momentos mais marcantes de um filme repleto de sutileza e sensibilidade: “Flores Raras”, de Bruno Barreto.
O filme se passa na década de 50, quando Elizabeth Bishop (Miranda Otto, conhecida pelo papel como Eowyn nos dois últimos longas da trilogia “O Senhor dos Anéis”) decide deixar a cidade de Nova York em busca de novos lugares e inspirações para a sua literatura. É desta maneira que ela acaba desembarcando no Rio de Janeiro, onde pretende passar uns dias hospedada na casa da amiga Mary (Tracy Middendorf), que divide um amplo casarão na cidade de Petrópolis com sua parceira, a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares (Glória Pires).
O triângulo amoroso de contornos delicados que resulta desse encontro é um dos pontos a serem abordados por “Flores Raras”, porém o objetivo maior do roteiro escrito por Carolina Kotscho, Matthew Chapman e Julie Sayres é mostrar o quanto que o relacionamento que se estabelece entre Elizabeth e Lota, que podem ser caracterizadas como dois gênios em seus campos profissionais, acaba deixando marcas profundas em seus respectivos trabalhos. Enquanto esteve no Brasil, Elizabeth colheu frutos importantíssimos, como o livro “North & South”, que lhe rendeu o Prêmio Pulitzer (honraria concedida aos norte-americanos que se destacam nas áreas de jornalismo, literatura e música). Já Lota viu a concretização do Aterro do Flamengo, obra que ela idealizou e construiu no governo de seu grande amigo Carlos Lacerda (Marcello Airoldi), é que é um dos pontos turísticos que fazem do Rio de Janeiro uma cidade com o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, concedido pela UNESCO.
Ao mesmo tempo, “Flores Raras” utiliza o relacionamento existente entre essas três mulheres para fazer uma crônica da efervescente vida política e cultural do Rio de Janeiro na década de 50 até pouco tempo após a ascensão do Regime Militar no Brasil e como esse fato histórico acabou influenciando a rotina das nossas três personagens centrais. Como se pode perceber, “Flores Raras” tem um roteiro com muitas nuances e chama a atenção a forma como Bruno Barreto deu coesão a tudo isso, de forma que o seu longa flui muito bem, sem nunca deixar a obra cair num ritmo narrativo que deixe a plateia tediosa.
De uma certa maneira, “Flores Raras” é um filme surpreendente. Caracterizar o longa por si só, desta forma, é uma surpresa, ainda mais porque se trata de uma obra dirigida por um dos nossos profissionais mais experientes na sétima arte. “Flores Raras”, aliás, apesar de ter sido feito no Brasil, com uma equipe brasileira, soa tudo menos uma obra do cinema nacional, uma vez que tem muita influência da linguagem norte-americana – o que pode ser explicado pelo fato de Bruno Barreto morar há muito tempo nos Estados Unidos. Por isso mesmo e por ter uma mensagem de apelo universal, “Flores Raras” deve ser um longa que vai obter uma boa aceitação do mercado externo.
Mesmo assim, ao final de “Flores Raras”, o que ficará com a plateia é a certeza de ter visto um filme que conta uma bonita história de amor com uma delicadeza tremenda. O estilo de filmar de Bruno Barreto aqui lembra muito, por exemplo, os trabalhos de Stephen Daldry. Não sei se o diretor brasileiro assistiu “As Horas” antes de fazer “Flores Raras”, mas existem muitos elementos em comum entre os dois filmes, por exemplo: a ênfase no uso da trilha sonora (excelente, por sinal, de autoria de Marcelo Zarvos) para preencher os silêncios narrativos e o enfoque da história em personagens femininas que são ricas na sua construção e que são plenamente dominadas pelos seus sentimentos, pelas suas melancolias e pelas suas motivações – as quais, diga-se de passagem são muito bem defendidas pelas atrizes que as interpretam.
Sua resenha foi uma das mais animadas que li, me animou de ver. Em geral, o filme parece que foi meio recebido de maneira fria. Ótimo texto.
Ótimo texto, Kamila e a comparação com As Horas é feliz.
Não me empolguei tanto com o resultado, mas realmente é um belo filme, e uma bela história de amor. Tenho problemas com o início (muito afobado) e com o final (muito meloso). Mas, também gostei do resultado.
Celo, obrigada! Para ser sincera, li poucas críticas sobre este filme.
Amanda, obrigada! Me lembrei muito de “As Horas” assistindo a esse filme e acho que existem, sim, paralelos entre as duas tramas, especialmente entre as formas como as histórias foram apresentadas. Achei um belo filme, surpreendente na forma como foi conduzido.
Uau, que nota animadora! Eu me interessei pelo plot do filme e a sua comparação com Stephen Daldry só me deixou ainda mais curioso.
Só leio elogios ao filme. Resta esperar chegar por aqui…
bjs!
Elton, obrigada! Espero que, quando você assistir ao filme, goste tanto quanto eu.
Parece mesmo que trata-se de um ótimo filme nacional, ainda que com características de cinema internacional. Essa comparação com As Horas aumentou minhas expectativas. Quanto ao Bruno Barreto, apesar de sua experiencia, confesso que não admiro nenhum de seus filmes. Quem sabe isso mude agora.
Bruno, sim, é um excelente filme. Não tenho nada contra o Bruno Barreto e acho que a sua família contribuiu muito para o desenvolvimento do cinema brasileiro.
Um filme que quero ver, e pelo visto vou gostar, gostei dessa sua insinuação sobre o trabalho de Daldry.
Cassiano, tenho certeza de que você irá gostar.
“Flores Raras” me surpreendeu pela sensibilidade com que lidou a relação de Bishop e Lota. Acho muito mais do que uma história de amor: é uma história sobre amadurecimento, sobre crescer na vida e se adaptar a tudo o que ela coloca no nosso caminho. Gosto bastante da Glória Pires, mas, para mim, o show é todo da Miranda Otto – que tem, ao meu ver, uma interpretação digna de prêmios.
Matheus, também fiquei surpreendida com a sensibilidade deste filme. Achei a trama muito bem conduzida por Bruno Barreto. Concordo com sua visão sobre o filme e também acho que o show aqui de Miranda Otto. Ela está sensacional.
Eu adorei esse filme, pena que é quase todo falado em inglês, e por isso, não pôde ser indicado para representar o Brasil no Oscar.
Santiago, também gostei muito desse filme e concordo com o que você disse.