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Mildred Pierce

publicado em:10/05/11 9:50 PM por: Kamila Azevedo TV

Para compreender um pouco sobre a personalidade de Mildred Pierce (Kate Winslet), personagem principal da minissérie homônima dividida em cinco capítulos, produzida pela HBO e dirigida por Todd Haynes, é necessário falar um pouco sobre a realidade na qual a protagonista estava inserida. Estamos em 1931, nos anos seguintes à Grande Depressão, a qual é considerada, historicamente, como o período mais longo de recessão econômica do século XX. Nos Estados Unidos, o que se via era uma alta taxa de desemprego, queda na produção industrial e famílias vivendo praticamente na miséria – dependendo dos programas sociais que passaram a ser criados pelo governo norte-americano especialmente a partir de 1933.

Numa realidade dura, o ponto de partida da jornada de Mildred Pierce soa até corajoso, uma vez que, no primeiro capítulo, ela expulsa o marido adúltero, Bert (Brían F. O’Byrne), de casa, passando a ser não só a chefe da família, como também mãe solteira para as suas duas filhas pequenas, Veda (Morgan Turner) e Ray (Queen McColgan). Chama a atenção, neste primeiro momento, aliás, uma característica da personalidade de Mildred que não irá se repetir nos capítulos seguintes: o orgulho. Em época de crise, Mildred não se permitia aceitar qualquer proposta de emprego. E mesmo quando já está empregada como garçonete, ela esconde isso das pessoas mais próximas, como se tivesse vergonha disso ou achasse que essa vida não fosse para ela

Um dos elementos mais ricos no desenho da personagem principal desta minissérie, de acordo com o roteiro escrito por Todd Haynes, Jon Raymond e Jonathan Raymond (com base no livro de James M. McCain), é que Mildred Pierce tem uma dualidade muito interessante: ao mesmo tempo em que tem a força de correr atrás daquilo que ela deseja (cozinheira de mão cheia, de garçonete ela vai a dona de seu próprio restaurante, se tornando uma bem-sucedida mulher de negócios), Mildred possui uma enorme fraqueza: a de se deixar envolver por personalidades mais fortes e manipuladoras, como a da própria filha Veda (que, quando crescida, é interpretada por Evan Rachel Wood) e a do bon-vivant Monty Beragon (Guy Pierce), com quem a personagem principal irá se envolver emocionalmente após a separação do marido. O relacionamento de Mildred com estas duas pessoas é pautado pela mágoa, humilhação e pelas palavras doentias, além, é claro, do fato de que a relação com Mildred responde à interesses próprios tanto de Veda quanto de Monty. O resultado disso tudo é uma mulher que se torna pequena diante dos nossos olhos, devido à tanto engulo de orgulho e autoestima.

Neste sentido, impressiona a inércia de Mildred diante de Monty e Veda. Chega a ser incompreensível o fato de que uma mulher como ela, que conseguiu reerguer sua vida e se transformar num grande sucesso profissional, não conseguir reagir a duas pessoas cujo propósito principal é machucá-la emocionalmente a qualquer custo. A sensação que dá é a de que Mildred é totalmente dependente sentimentalmente de Monty e Veda. Não dá para entender, aliás, como ela se sente tão culpada diante dessas pessoas. E isso passa a interferir até mesmo na vida profissional da personagem, uma vez que ela, para satisfazer as vontades de Veda e Monty, subjuga em muito os seus próprios desejos, se colocando (e, consequentemente, aquilo que ela conquistou por meio de muito trabalho duro) por completo em segundo plano. O que nos leva à conclusão de que Mildred Pierce é o tipo de mulher que, na verdade, precisa é de estabilidade emocional na vida dela. Ela precisa ser guiada por alguém. Ela precisa de alguém que seja um escudo para ela, a protegendo daquilo que a faz sofrer em seu íntimo – aqui, aliás, temos a definição perfeita pro tipo de relação que ela estabelece com Wally Burgan (James LeGros), o seu mentor no mundo dos negócios, e com o ex-marido Bert Pierce, que se transforma, nos anos seguintes, em um grande amigo, cúmplice e incentivador de Mildred.

Como se pode perceber, uma personagem como Mildred Pierce é cheia de nuances interessantes para qualquer ator. Nas mãos de uma intérprete como Kate Winslet, então, todos as qualidades e defeitos da protagonista são potencializados ao máximo, uma vez que Winslet é uma atriz que imprime todos os sentimentos (ou a ausência deles, se for o caso) à flor da pele. Kate já venceu esta partida antes mesmo de entrar no jogo, a verdade é essa. O curioso é que “Mildred Pierce” falha justamente onde a minissérie tinha o maior potencial de acertar: no tom melodramático, que aparece muito pingado, em cenas muito pontuais – como a da tragédia pessoal vivida pela personagem principal no segundo episódio. E isso é surpreendente em se tratando de que estamos diante de uma obra dirigida por Todd Haynes, que manobrou tão bem esse território no filme “Longe do Paraíso”. Porém, esse é um detalhe que acaba ficando muito pequeno diante de uma minissérie que tem uma personagem principal tão marcante e uma excelência técnica que se tornarão referência nesse gênero – com destaque para a trilha de Carter Burwell, a fotografia de Edward Lachman, a direção de arte de Mark Friedberg e Ellen Christiansen e os figurinos de Ann Roth. Não temos dúvidas de que “Mildred Pierce” dominará a temporada de premiações nesta categoria.

Cotação: 8,5

Mildred Pierce (2011)
Direção: Todd Haynes
Roteiro: Todd Haynes, Jon Raymond e Jonathan Raymond (com base no livro de James M. McCain)
Elenco: Kate Winslet, Brían F. O’Byrne, James LeGros, Melissa Leo, Mare Winningham, Guy Pierce, Hope Davis, Evan Rachel Wood, Morgan Turner, Quinn McColgan



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Comentários


Amei a análise! Concordo que a minissérie falha nessa questão da dramaticidade, mas Kate Winslet está demais! Mas, Mildred Pierce é uma personagem fascinante, aquela Veda não merecia uma mãe como ela. rsrsrsrs.

Beijos! 😉

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Mayara, obrigada!! A Kate é o grande destaque aqui, junto da personagem título que ela interpreta. E a Veda é a filha dos infernos… Ninguém merece uma filha como ela. Beijos!

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Onde eu encontro? Onde eu encontro? Onde eu encontro?
Kate Winslete é obrigatória!
E sua crítica me deixou inquieto aqui atrás dessa minissérie!
Incrível a capacidade da HBO em produzir grandes obras para a tv. Uma pena que o cinema em si envolva a questão “indústria-grana-massa” e prefira fazer qualquer coisa “na marra” só faturar.

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Oi Kamila, sou meio suspeito para falar da Kate. Creio que todos os prêmios de TV irão para ela.

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Victor, eu assisti pela HBO! Então, não sei onde você encontraria os episódios para fazer o download. A minissérie é excelente. Pode conferir!

Flávio, eu também acho que todos os prêmios da TV irão para ela nesse ano.

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Achei a minissérie excepcional, mas confesso que grande parte do meu fascínio por ela foi mesmo por conta da “minha” Kate Winslet, gosto muito da atriz. Ela sempre me surpreende.

A minissérie é bem feita, o roteiro é totalmente próximo do livro original, bem mais, por sinal, desta que do filme clássico protagonizado por Joan Crawford (que venceu o Oscar de atriz por essa atuação). O filme tinha um foco mais noir, mais suspense, e caracterizava Veda de uma maneira mais cruel.

Parabéns pelo texto, Kamila, mostrou bem o que essa produção representou!

Beijo 😉

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Eu realmente preciso assistir esse, quando li sobre o filme fiquei empolgado, tanto por se protagonizado por Kate Winslet (minha atriz favorita) quando por ser de Todd Haynes um diretor excelente, e que sabe muito bem conduzir boas atrizes, verei assim que possivel.

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Cristiano, a Kate é a melhor coisa da minissérie, juntamente dos aspectos técnicos que citei ao final do meu texto. Eu não conheço o livro original, mas achei que a história aqui foi tratada de uma forma interessante, pena que fica aquela alternação entre altos e baixos. Obrigada! Beijo!

Amanda, uma pena mesmo! Mas, espero que seja lançado em DVD em breve para você poder conferir.

Cleber, assista, sim, assim que possível!

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Tô com uma vontade imensa de assistir isso, Kamila. E essa tua análise foi a mais contundente que li sobre a minissérie. E fico ainda mais animado quando descubro que tem Carter Burwell aí no meio. Que beleza.

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Pedro Henrique, obrigada! Sim, o Carter Burwell. E a trilha que ele fez pra essa minissérie foi sensacional!

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Kamila, confesso que me decepcionei com essa série em diversos aspectos. Não só com a Mildred que, como já comentamos, irrita de tão inerte com Veda e Pierce, mas porque a minissérie não tem um grande momentos. Nem mesmo os confrontos chegam a ser marcantes. De maravilhoso mesmo só a Kate Winslet, ela sim é tudo aquilo que a minissérie deveria ter sido!

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Gostei do seu texto. Vou correr atrás dessa série.

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Matheus, a Mildred realmente irrita em vários momentos, mas eu acho que a minissérie tem sim um grande momento, que é aquele que ocorre no segundo episódio, com a grande tragédia de Mildred. Mas, no resto, eu concordo em tudo!

João Linno, corra mesmo!!

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Bem, gostei bastante da sua análise, e claro, amei Mildred Pierce. Mas eu não entendi bem aquele final… Pq a Mildred fica tão brava com Veda quando ela diz que está indo contar em NY e irá receber da companhia de alimentos. Quer dizer eu sei que Mildred tem todos os motivos do mundo para odiar Veda para sempre por tudo o que ela fez, mas antes de Veda contar isso, Mildred pareceia tão bem (como sempre) e depois veio cheia de odio para cima de Veda. Não entendi o pq desse ponto. Vc podia me explicar… bjbj

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Izabela, como eu disse a Mildred tem dependência emocional da filha. Acho que ela necessita de Veda por perto, por inúmeras razões. A explosão dela é por não querer a filha longe dela. Beijo!

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[…] Annual Primetime Emmy Awards. Conforme esperado, o grande destaque na lista foi a minissérie “Mildred Pierce”, do diretor Todd Haynes, que obteve 21 indicações; superando o seriado dramático “Mad […]

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A reação explosiva de Mildred ocorre porque ela percebe que foi usada mais uma vez por Veda. A filha usou o incidente na mansão ( quando Mildred a enforca), alegando que ficou sem voz para quebrar seu atual contrato. Assim ela fica livre para trabalhar para a Consolidated Foods em Nova York, onde ganharia muito mais dinheiro. Ambiciosa e sacana essa Veda: deixou a mãe sentir culpa por algo que sequer tinha acontecido ( perda da voz).

Concordo com alguns leitores que a minissérie da HBO falha em alguns aspectos. No entanto, acho incompreensível e inoportuno o questionamento sobre as ações da personagem.Sua inércia, por exemplo. A história é essa e ponto. Leiam o livro. Assim o é no romance de Cain. Uma coisa é criticar o desenvolvimento da história, detalhes técnicos, etc Outra coisa é querer que a história seja diferente. Acho isso inconcebível!
Além do mais, ao meu ver, essa dualidade no comportamento da personagem título e relação apodrecida entre mãe e filha são o que a história tem de mais mortífera: Por que ou como uma mulher independente e lutadora de um lado, pode ser ou é tão passiva e inerte diante da filha inescrupulosa? Está aí uma questão que requer bastante atenção. Os que se irritaram com a passividade de Mildred, recomendo uma revisão crítica da minissérie para não perderem o que ela tem de mais rica e densa.

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