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Precisamos Falar sobre o Kevin*

publicado em:3/03/12 12:20 AM por: Kamila Azevedo Filmes

*Atenção aos spoilers.

Existe justificativa para aquilo que não tem explicação? O filme “Precisamos Falar Sobre o Kevin”, da diretora Lynne Ramsay, tenta responder a esta pergunta. O longa, aliás, é muito contundente e forte em sua proposta. Encarar a figura de Kevin (interpretado, nas diversas fases de sua vida, por Rock Duer, Jasper Newell e Ezra Miller) passa a ser uma necessidade, especialmente após ele promover um massacre na escola na qual estudava. Esse é o tipo de sujeira que não se pode esconder por debaixo do tapete.

O roteiro conta esta história pela perspectiva do olhar de Eva Katchadourian (Tilda Swinton), mãe de Kevin. Um ponto de vista, diga-se de passagem, inédito em se tratando de longas metragens sobre este tema, já que histórias de massacres em colégios (vide filmes como “Elefante”, de Gus Van Sant) nos são contadas sempre do ponto de vista daqueles que foram mentores e/ou vítimas do acontecimento.

Ao contrário do que se possa imaginar, Kevin não cometeu suicídio após perpetrar o terror em sua escola. Isso não seria, até mesmo, condizente com o olhar desafiador e arrogante que ele manteve por boa parte de sua vida. Ele calculou tudo direitinho. Ele queria ir para a prisão. Só não sabia, do alto de sua petulância, que condenaria também a sua mãe a uma espécie de prisão. O ato de covardia de Kevin é ainda maior porque não é ele quem tem que encarar as pessoas e o peso da culpa após cometer um crime. Este sofrimento cabe à sua mãe.

Talvez, por isso, Tilda Swinton (numa performance soberba, injustamente esquecida no Oscar 2012) compôs Eva de uma forma tão internalizada. O olhar de culpa dela, o peso que ela carrega sob os ombros irá nos perseguir pelo filme inteiro. Se existe algo em que o roteiro é muito injusto, inclusive, é ao colocar tanta ênfase na figura de Eva, como se ela fosse a única culpada por Kevin ter se tornado um sociopata (aqui também vale destacar a assustadora atuação de Ezra Miller). O filme é certeiro em analisar friamente cada ato e cada falha de Eva como mãe. Mas, é ela que permanece ao lado do filho no final. O roteiro passa a mão na cabeça do pai compreensivo, Franklin (John C. Reilly), até a última cena – fazendo até parecer normal que tenha sido ele a pessoa a estimular o hábito de arco e flecha do filho que se revelaria o modus operandi do crime que ele cometeu.

Tudo isso, como mesmo comprova “Precisamos Falar Sobre o Kevin”, são questões irrelevantes diante daquilo que o estudante fez. Provavelmente, o grande questionamento do filme seja tentar compreender porque o ser humano precisa entender as razões para algo ter acontecido. Nem sempre existe razão por trás do que Eva e Kevin viveram. Ás vezes, essas são experiências que as pessoas têm que passar, por mais dolorosas que sejam. Nem tudo tem que ter um propósito. Nem tudo tem que ter razão. Esta, provavelmente, é a maior força por trás da mensagem desse filme.

Cotação: 9,5

Precisamos Falar Sobre o Kevin (We Need to Talk About Kevin, 2011)
Direção: Lynne Ramsay
Roteiro: Lynee Ramsay e Rory Kinnear (com base no livro de Lionel Shriver)
Elenco: Tilda Swinton, John C. Reilly, Ezra Miller, Jasper Newell, Rock Duer



Jornalista e Publicitária


Comentários


Acho q vc captou muito bem a mensagem do filme, muitos textos tentaram descobrir o motivo, mas se na verdade ele não existe? Gostei bastante da tua explanação. Destacaria tb a atuação do garoto q faz Kevin na infância. Foi muito boa, nossa… Sem dúvida, um dos melhores filmes dos últimos anos. Abs.

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Eu acho o filme muito denso, forte e reflexivo. A forma como é feito, sob a perspectiva assombrada da mãe, Tilda maravilhosa, nos deixa mais atônitos. Um absurso mesmo a atriz não ter sido indicada ao Oscar. Muita gente diz que a causa do comportamento do Kevin é por conta da “rejeição” de Eva em relação à maternidade – isso fica evidente no começo do filme e em uns flashbacks. Eu acho que, ainda assim, é algo sem explicação. Kevin nasceu para o Mal e não teve jeito de contornar isso.

Beijo!

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Celo, obrigada! Sim, o garoto que faz o Kevin, na infância, também está muito bem! Abraços!

Cristiano, também achei denso, forte e reflexivo. Eu não acho que o comportamento do Kevin decorre da rejeição da mãe. Eu acredito que todos temos um lado bom ou ruim dentro de nós e, em algum momento da nossa vida, um deles decide se sobressair. O de Kevin, no caso, é um lado mau predominante total. Acho que não existe bondade pra ele, e olha que ele teve o amor e a compreensão de um pai carinhoso… Por isso concordo com você: Kevin nasceu para o mal! Beijos!

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Adorei o livro no qual o longa é baseado e já tive a oportunidade de assistir ao filme. O material original é uma romance epistolário, no qual a Eva envia várias cartas ao marido (Franklin). Nessas cartas ela analisa tudo o que aconteceu após o massacre, mostra vida do casal antes da chegada do Kevin e revela detalhes sobre a criação do filho que ela escondeu do marido (como, por exemplo, o incidente com o braço). No final, fica evidente que as cartas não são enviadas ao Franklin, visto o que aconteceu seria impossível, mas é um modo que ela encontrou de desabafar um pouco.

Uma coisa apontada por você e que me chamou atenção foi o fato de todos condenarem a Eva, como se ela fosse a única responsável pelas atitudes do filho. Sim, ela foi uma mãe fria, mas também tentou compreender e se relacionar melhor com o seu primogênito, mas Kevin sempre mostrou uma rejeição pela mãe desde o dia em que nasceu. O livro não tenta atribuir culpas, já que ela é narrado todo do ponto de vista da Eva, mas ele me fez chegar a conclusão de que o que aconteceu foi resultado de diversas escolhas erradas do pais (uma mãe distante e um pai permissivo) e da personalidade psicopata do Kevin. Ele era um garoto apático, não gostava de nada e tudo, na opinião dele, era “besta”. Olha, a obra literária é de uma honestidade brutal e bem mais impactante, inclusive somos mostrados como aconteceu o massacre, e no final, a Eva perdoa o filho e levanta a possibilidade de algum dia, quando ele sair da prisão, eles morarem juntos. Quando tenta justificar porque escolheu perdoar um garoto que a magoou tanto, ela responde: “Talvez eu esteja velha demais, exausta demais e sozinha demais, e no fim, ele foi tudo o que me restou”.

Mas admiro o trabalho de adaptação da diretora Lynne Ramsay, e admiro ainda mais a atuação de Tilda Swinton e Ezra Miller. Mas se puder, leia o livro! Ele é mais intenso e nos faz entender melhor o que aconteceu. Até agora, eu tenho pensado no assunto, ruminado um pouco algumas teorias e ideias sobre como é mais fácil achar um culpado (neste caso, Eva) para uma tragédia do que entender, de fato, o que aconteceu. Como vc pode ver é um livro que te faz pensar um bocado. Enfim, uma obra marcante, e um filme que tem que ser visto.

Nota: 9,0

Abraços!

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E sim, algo que eu esqueci de comentar: gostei da tensão que a diretora soube construir ao longo do longa. Embora familiarizado com a história, tinha momentos que eu ficava bem ansioso com o que podia acontecer em seguida. Ok, vou para de te amolar por aqui. Meu texto tá ficando muito grande. Abs.

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Não vou ler pq tem spoilers.Volto aqui sem falta quando ver o filme.Faremos como no filme “J.Edgar” ok? bjs.

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Clóvis, pode escrever o comentário do tamanho que você quiser. 🙂 Estou com o livro aqui pra ler e me parece que ele é tão bom quanto o filme. Essa necessitade de colocar a culpa na mãe me incomodou profundamente, mas eu entendo. Foi ela que sempre questionou, bateu de frente e enxergava o lado mais obscuro da personalidade do filho. Foi ela que sempre se expôs dessa forma. Eu gostei muito do filme. É um trabalho sensacional de direção, roteiro e atuação. E eu não sei se o filme quer encontrar um culpado. A trama quer entender o que aconteceu. Como se, compreendendo tudo, a Eva fosse capaz de seguir em frente com a sua vida. O filme é deveras tenso, sim. Abraços!

Paulo, ok. Fique à vontade. Beijos!

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Não acredito que ainda não vi esse filme… mas pelos comentários que tenho lido na net (inclusive vc, se não me engano, falou que a performance foi melhor até que a da Meryl Streep), acho que essa atuação da Tilda entrou no rol das maiores esnobadas injustas da Academia, junto com Liv Ulmann em “Cenas de Um Casamento”, Linda Fiorentino por “O Poder da Sedução” e outras que me falham a memória.

Concordo muito com esse vídeo.

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esse filme é muito forte… faz a gente pensar bastante sobre a situação. eu até acho que o roteiro não passa mão na cabeça do pai, afinal eu achei ele extremamente distante e com uma parcela boa da culpa do que aconteceu.

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Ótimo texto Kamila. Ainda não vi o filme, mas creio que mais uma vez Tilda faz um soberbo trabalho.

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Pedro, não, eu não disse que a performance da Tilda foi melhor que a de Meryl Streep, mas eu com certeza concordo que ela foi injustamente esnobada pela Academia. Tilda merecia a indicação, muito mais, por exemplo, do que Rooney Mara.

Bruno, sim, fortíssimo! Eu fiquei pensando muito em toda essa situação por bom tempo após o filme ter terminado. E eu não achei o pai distante. Pelo contrário, ele é muito permissivo, envolvido na vida dos filhos e muito carinhoso. O oposto do que Eva era.

Flávio, obrigada! Sim, Tilda está sensacional aqui.

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Kamila, acredito que não tenha lido nenhum texto até hoje sobre esse filme que o molde tão bem quanto o seu, parabéns!

O filme é realmente pesado, desses que nos deixam com um gosto amargo. Me lembro de que fiquei chocadíssimo, principalmente porque, como você mesma disse, Eva, apesar de não ter cometido o crime, foi igualmente condenada. Momentos lindos de Tilda Swinton, que merece o nosso carinho, trata-se de uma grande atriz.

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Luís, muito obrigada! 🙂 Realmente, é um filme pesado, que deixa um gosto amargo enorme na gente. O olhar de culpa da Eva, com a performance soberba da Tilda, me perseguiu por muito tempo após a obra terminar. E ela é mesmo uma grande atriz. Grande mesmo!!

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Kamila, você não é a primeira a apontar como injusta a decisão da narrativa em apenas perseguir os atos de Eva. Pude ler ao romance de Lionel Shriver e nele acontece a mesma coisa, mas de um modo muito distinto (no livro, a história se sucede com Eva enviando cartas para Franklin descrevendo com minuncia todo o relacionamento com Kevin e as consequências da tragédia escolar). Para mim, é aí que se concentra os grandes méritos das duas versões de “Precisamos Falar Sobre o Kevin”, pois finalmente temos aqui todos os tormentos que se passa com a mãe de um assassino e como toda a sociedade a pune injustamente.

Ah, vale lembrar que temos um filme de temática similar que estreou meses antes de “Precisamos Falar Sobre o Kevin”: “Tarde Demais”, com Michael Sheen e Maria Bello. Tente procurá-lo, é um bom drama.

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Alex, imagine que eu não fosse a primeira a apontar isso, mas eu precisava tocar nesse ponto, porque foi o elemento que mais me incomodou neste filme. Eu gostei muito dessa abordagem narrativa inédita em se tratando do tema principal do livro/filme. Acho interessante esse tipo de ponto de vista. Ainda não assisti “Tarde Demais”, mas sei que tem essa mesma temática. Quero assistir também!

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Oi Kamlia, gostei da sua análise! Concordo que essa foi a injustiça do Oscar de 2012. Gostaria de complementar com algumas reflexões que fiz sobre o filme.

A primeira delas é que fica evidente que Kevin é uma espécie de psicopata (veja aqui o perfil antissocial http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-a-diferenca-entre-psicopata-e-sociopata – não sou da área de psicologia, mas fica esse feeling). Independente da mãe que ele viesse a ter, esse parecia ser um comportamento crônico. Basta lembrar que ele tinha um pai ‘legal’, ao qual ele poderia ter se apegado para superar uma eventual indisposição com a mãe.

Depois, fica claro que o objetivo do Kevin é ser o algoz da mãe. Todas as ações tomadas por ele no filme objetivam o sofrimento dela. Apesar dela não ter cometido o crime, é ela quem carrega a cruz.

Por fim, a prisão da mãe ao amor do filho, ao qual ela não renega apesar de todo sofrimento. Ela poderia ter se mudado, reconstruído outra família, abandonado este filho que a fez tanto sofrer. Mas não, ela insiste, padece no ambiente onde tudo aconteceu e termina por continuar amando quem a fez tanto mal. Pra mim, isso reforça a escravidão emocional dela em relação ao filho.

No mais, concordo que não há razão pra tudo o que aconteceu dentro de nossas justificativas sensatas…

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Elloa, obrigada! Para mim, o Kevin é mais um sociopata do que um psicopata. Também acho que esse era um comportamento crônico dele. De uma certa forma, também acho que as ações cometidas por ele visam atingir a mãe dele. E também concordo que a Eva é escrava emocional do filho. Ou seja, concordo com tudo que você escreveu.

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