Lendo – “A Hora da Estrela”
“Esta história acontece em estado de emergência e de calamidade pública. Trata-se de livro inacabado porque lhe falta a resposta. Resposta esta que espero que alguém no mundo ma dê. Vós? É uma história em tecnicolor para ter algum luxo, por Deus, que eu também preciso. Amém para nós todos”. (p. 10)
“A Hora da Estrela”, livro escrito por Clarice Lispector, em 1977, pouco tempo antes dela morrer, pode até ser uma história em tecnicolor (como a autora mesma diz na dedicatória que faz antes do início da obra), mas, na realidade, existe muita pouca cor na vida de Macabéa, a personagem principal criada pela escritora. O livro fala a respeito das aventuras de uma moça que chega a dar pena na gente, porque ela é tão desprovida de qualidades que a gente vai ler o livro inteiro esperando que Macabéa acorde pra vida, afinal ela é tão jovem e tem tanta coisa ainda pela frente para testemunhar.
Se existe uma definição perfeita para quem é Macabéa (que, sem dúvida, é uma das personagens mais marcantes da Literatura brasileira) seria dizer que ela e o vazio são a mesma coisa. Ela é virgem, ninguém a quer, ela não faz falta a ninguém, é invisível, vive à toa, incompetente, acaba de perder o emprego como datilógrafa, “namora” um cara que a humilha por completo (sem que ela perceba isso, é importante notar), não reage diante daquilo que vive, não questiona nada, é neurótica, é sozinha, é calada. Ou seja, é alguém completamente isenta de qualquer vida interior, e isso se reflete na maneira como ela enxerga a própria existência dela.
Apesar de todas estas características, Macabéa foi significativa o suficiente para chamar a atenção do narrador de “A Hora da Estrela”. Podemos dizer que Rodrigo S. M. (um narrador completamente onisciente) é o alter ego de Clarice Lispector, dadas as inúmeras qualidades que ambos compartilham. O narrador, aqui, é tão importante para o relato da história quanto a própria Macabéa. Poderíamos até dizer que é o impacto que Macabéa teve em Rodrigo S. M. que move toda a narrativa. Existe uma preocupação enorme por parte dele em não parecer simplório. Ele quer fazer jus ao que Macabéa significa para ele.
Neste sentido, encontramos em “A Hora da Estrela” recursos estilísticos bem interessantes – o mais importante deles sendo o fluxo de consciência que tão bem usado foi por escritores como a inglesa Virginia Woolf (a quem Lispector era bastante comparada). O título da obra (Clarice, antes da dedicatória, lista os 13 nomes que ela considerou para o livro) também diz muito a respeito daquilo que iremos ler. “A Hora da Estrela” nada mais é do que aquele momento extraordinário – e que é uma de suas marcas fortes como escritora – em que o personagem central de Clarice sofre aquela explosão interna que faz com que ele descubra algo que mudará por completo toda a sua existência. Isso acontecerá com Macabéa no encontro com a cartomante. Ali, a personagem teve uma sentença de vida. E o que acontece depois representa toda a urgência do nosso narrador em contar esta história. Definitivamente, este é um dos livros mais pungentes da nossa literatura.
A Hora da Estrela (1977)
Autora: Clarice Lispector
Editora: Rocco
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Desde que comecei a visitar o teu blog já fiquei sabendo de sua admiração pela Clarice Lispector!
Tb gosto dela. Não li esse livro, apenas vi o filme em alguma aula do colégio, mas lembro-me de ter gostado.
Preciso ler um dia…
Abraços!
Bruno, eu nunca assisti ao filme, mas li o livro pela primeira vez ainda no colégio. Foi bom reler agora. Abraços!
Teria que reler o livro para comentar melhor suas ponderações, li A Hora da Estrela no colégio, na sétima série para um trabalho de português. Daí fui buscar Clarice Lispector em outras obras e essa ficou meio que guardada no fundo da memória, apesar de nunca esquecer totalmente de Macabéa e seu nada.
Amanda, a Macabéa é uma personagem sensacional. Uma das melhores de nossa literatura. Eu reli o livro agora e foi muito bom poder fazer isso.
Kamila, assisti “A Hora da Estrela”, que foi dirigido pela Suzana Amaral, no final do ensino médio. Gosto muito e acredito que a cineasta fez um ótimo trabalho de adaptação, embora eu ainda não tenha lido o livro de Clarice Lispector. Este ano fui a uma pequena encenação em homenagem a escritora e admito que não foi algo que me identifiquei muito.
Achei bacana você ter apontado sobre a cartomante. É mesmo uma personagem definitiva para Macabéa. No filme, a cartomante é incorporada por Fernanda Montenegro, que tem uma performance impagável!
Tinha esquecido que você também curte Clarice. A Hora da Estrela é um dos meus favoritos dela, junto com A Paixão segundo G.H e A Maçã no Escuro.
Alex, eu não assisti ainda à adaptação deste livro. Vou tentar conferir.
Roberto, eu ainda vou ler seus outros dois livros favoritos dela. 🙂
Não me canso de ler este.
Só o prólogo já devo ter lido para mais de vinte vezes.
Belíssimo!
😉
Cassio, eu adoro o prólogo e o primeiro capítulo!
Me sinto um leitor extremamente frustrado por nunca ter lido Clarice…
Macabéa me lembra a prostituta Cabíria, de Fellini, inclusive já fiquei tentando encontrar coisas que as unissem – ainda que a personagem de Giullieta Masina seja menos manipulável. E sim; este é um dos grandes livros de nossa literatura, e Lispector é um dos nomes mais honrosos que já escreveram para o Brasil. Altamente recomendável, mas para leitores específicos.
Beijos!
A adaptação para o cinema foi muito elogiada nos anos oitenta.
Infelizmente não assisti ao filme e nem li o livro .
Até mais
Robson, e o que está esperando para lê-la??
Weiner, verdade. Recomendável para leitores específicos. Beijos!
Hugo, não assisti ao filme, mas li o livro duas vezes. Até mais!
Lispector é sempre Lispector. Não sei você já viu, Kamila, uma rara entrevista que ela deu (acredito que uma das últimas, senão a última). A entrevista é facilmente encontrada no Youtube e ela conta coisas muito interessantes.
Típico livro de vestibular, rsrs. Mesmo que não seja minha obra preferida de Clarisse, acredito ser a mais social de todas que tive contato.
Pedro, assisti, sim, a esta entrevista. Adoro!
Luís, verdade! 🙂
Nunca li o livro da Lispector, mas já assisti ao filme da Suzana Amaral, cujo cartaz estampa esse seu post. E acho um belo filme.
Wallac, eu queria muito assistir ao filme, mas acho que ele deve ser difícil de encontrar!
uma bosta sua analise…
Rodrigo SM não é completamente onisciente, pois ele nd mais é do que uma personagem alterego de Clarice, e a hora da estrela não é a hora em que ela encontra a cartomante e com isso novas possibilidades de vida, e sim o encontro da estrela da mercedes que atinge a protagonista e a tranforma em estrela, mito, assim como macunaíma. A mercedes tbem repesenta o capital estrangeiro que oprime o nacional, além de milhares de outras possiveis interpretações! Me doi ouvir quem não sabe falar o que acha que sabe!
Jao, obrigada pelos comentários e por mostrar onde minha visão estava equivocada. Porém, como você mesmo disse, essa é uma história com várias possibilidades de interpretação. Mesmo sendo uma bosta, essa é a minha visão de “A Hora da Estrela”.
Voce poderia me explicar o que são as “explosões” que acontece durante o livro? Seria o que levaria ao processo de epifania que acontece no fim do livro?
Grata.
Weslanne, quando eu falo em explosão interna, me refiro a um processo íntimo de auto-descoberta da personagem ou de uma certa epifania, de uma “eureka”, de algo que nasce dentro dela e que vai fazer com que ela queira mudar o seu destino.
É a típica obra que praticamente é impossível o cinema reproduzir com toda riqueza, tratando-se de uma narrativa de atmosfera.
Carlos, exatamente!