A Pele que Habito
“A Pele que Habito”, nome do filme escrito e dirigido pelo espanhol Pedro Almodóvar, pode se referir tanto ao personagem principal, o cirurgião plástico Robert Ledgard (Antonio Banderas, que volta a trabalhar com o diretor depois de 21 anos), quanto à sua antagonista, a jovem Vera Cruz (Elena Anaya). O título também poderia fazer referência às maneiras como ambos os personagens reagem moralmente às diversas – e difíceis, é importante mencionar – situações com as quais são colocados no decorrer do filme.
Desta forma, a chave para compreendê-los está no sensacional estudo de personagem que é feito pelo diretor e roteirista espanhol durante “A Pele que Habito”. Robert Ledgard poderia ser uma versão do que foi retratado no livro “O Médico e o Monstro”, de Robert Louis Stevenson, uma vez que ele tem um lado bom e um lado mau dentro de si que vão se sobressaindo na medida em que sua personalidade é desnudada para nós.
A verdade é que Robert é um ser completamente machucado emocionalmente. Sua amada esposa o traía, teve o corpo totalmente queimado em um acidente de carro e acabou cometendo suicídio quando viu os efeitos que a queimadura teve na sua, antes, fisionomia impecável. Sua amada filha, após inúmeros problemas psicológicos, acabou tendo o mesmo destino trágico que sua mãe. Incapaz de ter salvo as duas pessoas que mais amava, a personalidade “monstro” de Robert começa a se sobressair quando ele faz Vera Cruz de “paciente refém”, usando-a como cobaia de experimentos científicos moralmente questionáveis de forma a criar uma mulher com uma pele perfeita e completamente resistente a qualquer tipo de intempérie.
As razões pelas quais Robert faz de Vera uma prisioneira dentro de sua própria mansão são reveladas à plateia no meio de “A Pele que Habito”. Se fosse num filme de qualquer outro diretor, isso soaria totalmente anticlimático, afinal qual a graça de revelar o grande segredo do longa quando a trama está começando a decolar? Entretanto, estamos diante de uma obra dirigida por Pedro Almodóvar e essa revelação atua a favor de “A Pele que Habito”, uma vez que, a partir do instante em que descobrimos esse segredo, o filme ganha em elementos de suspense e reforça todo o caráter frio e doentio de Robert, que, na realidade, não quer usar as suas descobertas médicas para o bem comum. Ele é um ser extremamente egoísta e não conhece limites para recriar uma realidade que ele perdeu.
Quando “A Pele que Habito” muda o foco de Robert para Vera, temos o desenho de uma guinada que tira o tempo do espectador, porque nos pega totalmente desprevenidos para o que estava por vir. E é aqui que Almodóvar começa a destilar toda a sua genialidade, em cenas totalmente cortantes que representam um conflito de uma pessoa presa num corpo que, na verdade, não lhe pertence e que teve sua identidade completamente tolhida, mas que sabe que, por baixo de tudo aquilo, ela está ali pulsando e querendo se revelar. “A Pele que Habito” não é um filme sobre um homem que faz as coisas mais absurdas por amor, e sim uma obra sobre alguém que passa a ser diferente, não por sua escolha própria. É uma obra tipicamente Almodovariana, com uma visão feminina e masculina, com drama e comédia, com cores e sombras, com exageros e sobriedades, tudo ao mesmo tempo.
Cotação: 9,5
A Pele que Habito (La piel que habito, 2011)
Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar (com base no livro escrito por Thierry Jonquet)
Elenco: Antonio Banderas, Elena Anaya, Marisa Paredes, Jan Cornet, Roberto Álamo, Blanca Suárez, Bárbara Lennie
E eu aqui doido pra ver esse filme!
Destruiu, Ka! Comentou o filme com muita propriedade e ainda traçou os sentimentos do público frente à revelação que Almodóvar guardava. De fato, se não fosse um diretor tão apurado, a tal “surpresa” não viria acompanhado com aquele estupor característico em muito de seus filmes, seja para o bem ou para o “mal” hehe. Também achei um filme incrível, mais um retrato da beleza que esse cineasta traduz ao comandar uma câmera. A história por si só já é sensacional, mas Almodóvar adiciona muito de sua marca a ela e o casamento é não menos que perfeito.
Adorei a analogia com “O Médico e o Monstro”, inclusive comento na minha crítica que estou prestes a postar hehe.
Bjs!
Cassiano, você ainda não assistiu a este filme??? Corra logo!!!
Elton, obrigada! 🙂 Concordo muito com seu comentário, especialmente sobre a forma como você fala do Almodóvar comandando uma câmera. Quero ler sua crítica depois! 🙂 Beijos!
Atualmente Pedro Almodóvar é um dos diretores mais originais do cinema.É um cineasta autoral que construiu uma filmografia admiravel.Considero “Fale Com Ela” uma obra prima(um filme que desafia o espectador a todo momento,Genial!),”Volver” e “Tudo Sobre Minha Mãe(ótimo filme que excede no melodrama,o que me incomoda um pouco em Almodóvar).”Abraços Partidos” é um trabalho de qualidade que foi subestimado pela critica em 2009(não é o melhor Almodóvar,mas esta loonge de ser ruim).Kamila me parece que você ficou profundamente envolvida com o filme e a premissa é bem original.Fico surpreso e contente em saber que Almodóvar ao contrário dos filmes anteriores,trabalha com um protagonista masculino.Não vejo a hora de ver esse filme,estou curioso em ver uma obra de Almodovár que é uma adaptação de um livro e não um roteiro escrito por ele.”A Pele que Habito” é o candidato da Espanha a melhor filme estrangeiro.Será que vamos falar desse filme nas premiações?Beijos.
Kamila, não sou o maior fã do Almodovar, mas devido a seu ótimo texto me sinto impulsionado a ver o filme. Abs!
FILMAÇO. Almodovar faz o filme se tornar fascinante a cada minuto, por mais que seja obvio certas coisas o diretor consegue de uma maneira excelente nos deixar boquiaberto, ele causa tensão e supresa mesmo já sabemos o curso que a trama vai tomar, mais uma vez um excelente roteiro de Almodóvar. E o melhor, a “marca Almodóvar” continua intacta.
Paulo, concordo que, atualmente, Almodóvar é um dos mais originais do cinema. Você está certo, o filme me envolveu bastante. A trama nos permite isso, a gente fica imerso no relato dele. Assista logo a esse filme. Acho que falaremos bastante da obra nas premiações. Beijos!
Flávio, que responsabilidade! 🙂 Espero que, ao assistir ao filme, goste dele tanto quanto eu gostei. Abraços!
Cleber, filmaço mesmo! Uma obra fascinante e muito bem contada. Perfeito seu comentário sobre a marca Almodóvar.
Bela crítica Ka. É isso mesmo. É um filme que conjuga paixão, repulsa, loucura e afeto em tons que escapam a muitas elaborações.
bjs
Sou suspeita para falar desse filme, pois sou fã incondicional de Pedro Almodóvar.
A Pele Que Habito é simplesmente um dos melhores filmes dessa temporada, se não o melhor.
um dos melhores filmes de 2011, definitivamente, otimo texto tb, dificil escrever algo sobre esse filme e se conter para não revelar as melhores partes. Vc conseguiu fazer isso com sucesso e instigou a quem não viu. Qt ao comment la no blog, eu q escrevi o nome do diretor errado, na vdd é Christian Molina, nd a ver com o ator…hehhe…Consertei.
Reinaldo, obrigada! Beijos!
Película Criativa, o Pedro Almodóvar é um grande cineasta dele. Concordo que é um dos melhores filmes do ano.
Celo, concordo. Obrigada!!! AHHHHHH, tá bom! 🙂
Espero ansioso pela chegada nas locadoras, pois só passou em uma seção especial aqui na minha cidade, que eu não pude conferir! E sua crítica só me deixou com mais vontade! =D
Eri, espero que chegue logo às locadoras. É um filmaço!!
Magnífico! Mais uma obra prima de Almodovar.
Bom texto. Concordo com toda a parte no que diz respeito ao Dr. Robert. Como eu disse no texto que escrevi no http://www.lumi7.com.br, toda a humanidade de Robert foi-se pela janela junto com sua mulher e filha, à partir daí seu mundo virou um experimento cientifico e sua eventual queda foi devida ao seu narcisismo imensurável, no momento em que ele acho que poderia “trazer de volta à vida” sua mulher, Gal.
http://www.lumi7.com.br/search?q=a+pele+que+habito
Um trabalho surpreendente do Almodóvar, principalmente depois do decepcionante “Abraços Partidos”. Tudo aqui funciona! E, como você disse, impressionante como revelar o segredo na metade do filme não enfraquece a história: pelo contrário, só melhora! Um dos filmes do ano.
João Linno, concordo!
Francisco, obrigada! Concordo com sua visão sobre a humanidade de Robert. lerei seu texto.
Matheus, surpreendente mesmo. Concordo: um dos filmes do ano!
Engraçado que eu já fui assistir este filme transbordando de expectativa, afinal de contas é uma obra do Almodóvar. Odeio quando fico assim pois as chances de me decepcionar se tornam ainda maiores. Mas não houve decepção alguma! O filme é realmente fantástico e revela uma delicadeza tremenda ao tratar questões tão polêmicas e delicadas.
Não acredito que o Robert (Banderas) já tivesse um lado “monstro” dentro dele e que acabou aflorando, mas sim que, com todas as atrocidades que aconteceram com o coitado, ele acabou por perder totalmente a sanidade.
Ao mesmo tempo que sentimos uma pena imensa do Vicente, não conseguimos sentir ódio por Robert. Isso é algo que o Almodóvar consegue construir muito bem, tal qual ele fez com o enfermeiro e a paciente no Fale com Ela.
E é incrível que todos estão atuando muito bem!
Adorei sua crítica! Ficou ótima!
Abraço
Fernando, curioso que eu assisti a este filme sem muitas expectativas e fui muito surpreendida. Acho que isso ocorre porque não sou muito envolvida assim com o cinema do Almodóvar. Eu te entendo porque, quando crio expectativas demais sobre algo, tenho medo de me decepcionar. Mas, que bom que esse não foi o caso de “A Pele que Habito”. O filme é maravilhoso!!! Concordo que o Robert foi perdendo a sanidade, especialmente devido ao que aconteceu com ele. Eu concordo também que sentimos pena de Vicente, mas nunca sentimos ódio de Robert ou julgamos o que ele fez. Obrigada pelos elogios! Abraço!
[…] Quando “A Pele que Habito” muda o foco de Robert para Vera, temos o desenho de uma guinada que tira o tempo do espectador, porque nos pega totalmente desprevenidos para o que estava por vir. E é aqui que Almodóvar começa a destilar toda a sua genialidade, em cenas totalmente cortantes que representam um conflito de uma pessoa presa num corpo que, na verdade, não lhe pertence e que teve sua identidade completamente tolhida, mas que sabe que, por baixo de tudo aquilo, ela está ali pulsando e querendo se revelar. “A Pele que Habito” não é um filme sobre um homem que faz as coisas mais absurdas por amor, e sim uma obra sobre alguém que passa a ser diferente, não por sua escolha própria. É uma obra tipicamente Almodovariana, com uma visão feminina e masculina, com drama e comédia, com cores e sombras, com exageros e sobriedades, tudo ao mesmo tempo. (Crítica publicada em 08 de dezembro de 2011) […]