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A Criança da Meia-Noite

publicado em:24/05/12 1:19 AM por: Kamila Azevedo Cinema

O título “A Criança da Meia-Noite”, do filme dirigido e escrito por Delphine Gleize, faz referência direta à condição de saúde do jovem Romain (Quentin Challal), que, por ser portador de uma doença genética recessiva e rara chamada xeroderma pigmentoso (XP), na qual predomina uma alta incidência de enfermidades malignas de pele, além de outras alterações em órgãos vitais do corpo, tem uma elevada fotossensibilidade, sendo quase proibido de enfrentar a luz solar. Ou seja, é durante a noite que Romain pode tentar ser um jovem normal, dentro de suas próprias limitações – o que o faz, por causa dessas suas características peculiares, ser alguém um tanto especial.

De uma certa maneira, é Romain o personagem principal de “A Criança da Meia-Noite”, pois são as suas ações, a sua enfermidade, os cuidados que ele necessita, os seus medos, temores e anseios que movem toda a trama do filme. Porém, curiosamente, o diretor e roteirista Delphine Gleize divide muito o foco, em sua história, entre Romain e o dr. David (Vincent Lindon), que é um médico bastante respeitado na sua especialidade, que trata basicamente dessas doenças com alterações genéticas. David é um médico muito voltado ao tratamento humanizado dos seus pacientes, se envolvendo (por demais, diga-se de passagem) nas vidas pessoais deles, se dedicando à preocupação com a qualidade de vida de pessoas que já têm que conviver com muitas restrições. A sensação que temos ao vê-lo atuando é a de que é como se ele vestisse mesmo a camisa de todos aqueles pelos quais ele é responsável pelos cuidados básicos e primordiais.

Por mais que Romain e David estejam separados um do outro por mais de uma geração, por mais que eles tenham características que os distinguem, por mais que o papel de David seja garantir o bem estar de Romain (mesmo naqueles momentos em que a doença é implacável em seu avanço), estes dois personagens possuem muito mais pontos em comum do que a gente imagina – e aqui está o lado mais interessante de “A Criança da Meia-Noite”. Tanto Romain quanto David se encontram diante do novo (e incerto), de algo que os assusta por demais e que os deixa muito temerosos em relação ao futuro, talvez, por isso mesmo que eles se identifiquem tanto e tenham essa relação tão próxima. O primeiro, como já estamos frisando desde o início, tem que lidar com uma condição de saúde irreversível, em que ele nunca sabe como será o dia dele de amanhã, em que ele tem plena consciência de que nunca poderá exercer sua vida de uma forma plena conquistando tudo aquilo que outros jovens da mesma idade dele irão vivenciar. Enquanto o segundo está deixando a sua rotina difícil de consultórios médicos (que o impede de estar mais próximo da sua família), com histórias pessoais de pacientes que carregam um peso emocional enorme, e está prestes a assumir um novo cargo na Organização Mundial de Saúde, onde poderá fazer parte de algo que, num futuro próximo, deve ter um efeito muito mais positivo – e definitivo – na vida desses pacientes que ele tanto ama.

É justamente por falar de uma forma um tanto sutil e equilibrada sobre como as mudanças nas nossas vidas podem ser difíceis, independente do estado emocional em que nos encontramos, que “A Criança da Meia-Noite” acaba sendo um filme admirável. O ritmo impresso pelo diretor Delphine Gleize ao desenvolvimento de sua trama respeita toda a história pessoal de cada um desses personagens – e isso é algo raro, porque tanto Romain quanto David estão muito bem desenvolvidos em tela, fazendo com que a gente chegue a conhecê-los muito bem. Por mais que seja uma obra um tanto anticlimática, o longa acaba nos envolvendo muito em seu relato, principalmente por causa da presença de um ator seguro como Vincent Lindon, que é um daqueles que comunica muito bem no silêncio ou na ausência deste.

Cotação: 6,5

A Criança da Meia-Noite (La Permission de Minuit, 2011)
Direção: Delphine Gleize
Roteiro: Delphine Gleize
Elenco: Vincent Lindon, Emmanuelle Devos, Quentin Challal, Caroline Proust, Nathalie Boutefeu, Laurent Capelluto, Solène Rigot, Maxime Renard, Alexandre Boucher



A última modificação foi feita em:junho 10th, 2012 as 10:33 pm


Jornalista e Publicitária


Comentários


Acho o London um dos grandes atores do cinema internacional. Sobre a premissa do filme, sobre essas peculiaridades comportamentais no modo de agir do personagem do garoto, tornando-o esquisito para as pessoas “normais”, rapidamente me lembro, guardadas as proporções, daquele famoso filme dos anos oitenta, Marcas do Destno, com a Cher o Eric Stoltz .

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Fiquei curioso também. Parece ser um belíssimo filme 🙂

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Flavio, o London, realmente, é um grande ator. Ainda não assisti ao filme “Marcas do Destino”, que você disse ser similar a esse.

Amanda, pois é. É um filme muito curioso e interessante. Acho que você vai gostar.

Luís, é um filme muito legal.

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é… nunca tinha ouvido falar deste tb… aliás não conheço nenhum dos envolvidos… fiquei curioso tb e achei que a nota seria maior, pelos elogios no texto!

a conferir…

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Como hipocondriaco passo ao largo desse filme que desconhecia completamente, mas fico feliz em ver cada vez mais filmes não norte-americanos chegando aos nossos cinemas.

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Cassiano, eu também fico feliz quando percebo que, cada vez mais, temos filmes estrangeiros sendo mais acessíveis ao grande público.

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Eu baixei esse filme hoje, Ka, ele está disponível pra download. Não tenho como conferir no cinema, vai em casa mesmo. Notei que você, de um tempo pra cá, passou a escrever mais e desenvolver parágrafos mais longos – gostei muito disso, viu. Seus textos estão bem mais ricos e profundos.

Ps, também sou mais um que nunca entende suas notas. Por vezes, você parece ter adorado determinado filme e coloca um “5,0”, por exemplo. É algo super relativo isso das notas, eu prefiro mesmo é ver o texto, acho que descobrimos mesmo o que a pessoa, de fato, sentiu em relação a um filme.

Bjo!

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Cristiano, obrigada pelo comentário sobre os textos! 🙂 Eu sei que meu sistema é totalmente diferente, mas utilizo como base a nota que dou no IMDB e isso segue conceitos meus (excelente, ótimo, bom, regular e péssimo). Só eu entendo e desisto de tentar explicar… Tô pensando até em tirar a cotação do filme do site, já que isso não importa. O texto acaba falando muito mais sobre como o filme me afetou do que a nota. Beijo!

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