Anna Karenina
Baseado numa das obras-primas da literatura estrangeira, bem como em um dos livros mais conhecidos do escritor russo Leo Tolstoy, “Anna Karenina” marca a volta do diretor inglês Joe Wright ao terreno em que ele se sente mais seguro: os dos filmes de época. Aqui, ele tenta reviver um de seus melhores momentos como diretor, no filme “Orgulho e Preconceito”, que, curiosamente, também é uma adaptação de um dos livros mais queridos e conhecidos da literatura estrangeira. Não à toa, algumas cenas de “Anna Karenina”, como as de danças nos bailes, soam muito parecidas com as vistas em “Orgulho e Preconceito”. Além disso, em dois dos papeis mais importantes do filme, temos as presenças de Keira Knightley e de Matthew MacFadyen, que interpretavam as personagens principais de “Orgulho e Preconceito”.
Como todos sabem, “Anna Karenina” se passa na Rússia Czarista e tem uma trama com toques políticos, assim como sobre a análise cultural e econômica na vida rural naquela época, no país. Entretanto, a trama principal do livro/filme acompanha a relação extra-conjugal que envolve a personagem título (interpretada por Keira Knightley), a qual tem tudo o que uma mulher poderia aspirar ter, e o jovem e imaturo Conde Vronsky (Aaron Taylor-Johnson). Neste sentido, um dos elementos mais importantes na análise de “Anna Karenina” é perceber que a personagem principal segue, em relação à questão da infidelidade no matrimônio, todos os conselhos contrários que dá à sua cunhada Dolly (Kelly Macdonald), que era constantemente traída pelo irmão de Anna, Oblonsky (Matthew MacFadyen), no início do longa.
Não é que a história idealizada por Leo Tolstoy seja machista ou siga dois pesos e duas medidas (em relação à traição do homem e à traição perpetrada pela mulher). A verdade é que a trama retrata o quanto era difícil para uma mulher, nos séculos XVIII e XIX, tomar as rédeas de sua vida e brigar por aquilo que ela achava ser a sua felicidade. Sem querer entrar no julgamento moral de uma escolha como a feita por Anna Karenina, o que o roteiro escrito por Tom Stoppard nos mostra é que, além do casamento ser um acordo quase político (especialmente quando não envolvia o sentimento do amor, o que era algo comum naquela época), querer seguir um caminho diferente do que é considerado o moralmente correto é encarar uma vida de prisão e de infelicidade, em que a pessoa não pode ser verdadeiramente aquilo que é e, pior ainda, vivenciar de forma aberta aquilo que ela gostaria de escancarar.
Desta forma, talvez, um dos pontos altos do roteiro de “Anna Karenina” é a forma como destrincha a conduta do marido traído, Karenin (Jude Law). Ele pode parecer cruel, em alguns momentos, principalmente para aqueles que suspirarem com a história de amor vivida pela personagem título e por Vronsky. Porém, as suas decisões nada mais são do que o resultado de seus valores e da cultura na qual ele estava inserido. Da mesma forma que o casal ficou confinado a uma vida de prisão, Karenin também viveu prisioneiro do seu orgulho ferido, da sua decepção, da sua desonra pública – isso, sem em algum momento, denegrir o nome de sua esposa ou negar-lhe apoio. É uma conduta deveras admirável por parte de um homem que tinha todos os motivos para fazer justamente o contrário.
Um filme indicado a quatro Oscars 2013 (dos quais venceu um), “Anna Karenina” encontra seu ponto alto na sua parte técnica, especialmente no trabalho de direção de arte, de figurinos e de trilha sonora – todos de colaboradores habituais do cinema de Joe Wright -, que nos colocam diretamente na Rússia Czarista. Este é o trabalho mais maduro e competente de Joe Wright como diretor e chama a atenção em “Anna Karenina” a forma quase teatral como Wright vai desvelando as situações e os cenários, como se tudo aquilo fosse uma grande peça encenada, como se todos aqueles personagens estivessem atuando em suas próprias vidas. Estes são os elementos mais inspirados de um filme que carece de um roteiro mais consistente e, mais ainda, de atuações que deem ênfase aos conflitos morais que esses personagens passam.
Indicações ao Oscar 2013
Melhor Figurino – Jacqueline Durran – VENCEDOR!
Melhor Fotografia – Seamus McGarvey
Melhor Trilha Sonora Original – Dario Marianelli
Melhor Direção de Arte – Sarah Greenwood e Katie Spencer
Para mim, um filme incompreendido. Considero um dos melhores dessa temporada. Abraço.
Celo, apesar de reconhecer os atributos de “Anna Karenina”, para mim, faltou um algo mais a esse filme.
Pelo seu texto, o filme parece lindo, mas que faltou ser perfeito. Vou tentar assisti-lo neste fim de semana! 😉
Mayara, é exatamente isso!
Kamila, vou discordar um pouco de você dessa vez… também acho a parte técnica ótima no quesito direção de arte, figurino e trilha sonora, mas a direção do Joe Wright me incomodou bastante aqui… achei que ele tentou investir demais em certas ousadias (todo esse estilo teatral que você falou) que não colaboraram muito no geral, pelo menos para mim!
sou fã de Desejo e Reparação, mas este não me agradou muito não…
Bruno, sinta-se à vontade para discordar, por favor. Verdade: ele tentou apostar e investir nas ousadias, mas acho que essas soluções diferentes fazem de “Anna Karenina” um filme interessante, apesar do roteiro irregular.
Bela crítica. Acho este “Anna Karenina” do Joe Wright,acima de tudo um filme ousado. Que desejou trazer algo novo a uma obra já suficientemente explorada pelo cinema. Não conseguiu de todo.
Bjs
Reinaldo, obrigada! Sim, enxergo ousadia nesse filme, especialmente na forma como a trama é apresentada pelo diretor, especialmente no primeiro ato. Imagino que seja uma obra difícil de se adaptar, por isso lamento que Joe Wright tenha tido dificuldades no caminho e não tenha conseguido obter o êxito esperado.
Vi hoje e fiquei impressionado como o Wright assume tão bem os riscos de trabalhar com uma encenação tão teatral e mesmo “fake”. Mas mais do que um capricho de querer “inovar”, penso que ele consegue fazer comentários muito interessantes sobre os personagens e as situações em que eles se encontram.
Rafael, eu acho que essa solução narrativa do Joe Wright foi bem curiosa, mas ele meio que a abandona a partir da metade do filme. Era para ele ter explorado mais isso. Ele quis inovar mesmo e não deu certo. Não acho que tenha sido um capricho. E concordo que a história faz comentários bem interessantes sobre seus personagens.