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As Horas

publicado em:20/04/13 2:01 AM por: Kamila Azevedo DVD

A escritora inglesa Virginia Woolf era uma mulher de personalidade conturbada, além de ser constantemente atormentada por crises psicóticas. Talvez por ter que lutar para viver dignamente cada hora de sua vida, este foi o tema mais recorrente em sua obra. Os leitores acompanham cada momento vivido por aqueles que habitam o mundo criado pela escritora. O seu maior legado foi ter deixado a lição de que o mais próximo da ideia de felicidade é viver intensamente cada hora da nossa vida. Tal receita é seguida ao pé da letra pelo diretor Stephen Daldry no filme “As Horas” – indicado a nove Oscars em 2003, dos quais venceu um.

O roteirista David Hare sabia que não teria um trabalho agradável pela frente desde que aceitou fazer a adaptação do difícil e premiado romance de mesmo nome escrito por Michael Cunningham. Muitos achavam que isto seria impossível – até mesmo os envolvidos com a pré-produção do filme. Porém Hare, contrariando todas as expectativas, fez um roteiro que preservava a excelência do romance original, além de ter acrescentado novos rumos que enriquecem a história. Assim como no livro, o filme acompanha um dia na vida de três mulheres em épocas diferentes, entretanto todas estão unidas por um laço surpreendente que só será revelado no final.

A viagem começa no subúrbio londrino de Essex, quando acompanhamos o suicídio de Virginia Woolf (Nicole Kidman, na melhor atuação de sua carreira, premiada com o Oscar 2002 de Melhor Atriz). Em um pulo, a história volta ao momento em que a escritora está começando a escrever aquele que seria considerado a sua obra-prima, o romance “A Senhora Dalloway”. Neste meio tempo, ela recebe a visita de sua irmã e sobrinhos e tenta conseguir uma maneira de se relacionar com o mundo exterior – que envolve seu marido, as criadas, os estranhos – sempre numa tentativa de mostrar a todos que ela está se sentindo bem.

“A Senhora Dalloway” tem como tema principal, assim como o livro escrito por Michael Cunningham, o acompanhamento de um dia na vida de uma mulher: Clarissa Dalloway, dama da aristocracia inglesa, que esconde seus problemas numa fachada de mulher deslumbrante, cuja principal atividade é promover festas. Algo parecido com o que vivenciam as outras duas mulheres do filme.

A primeira delas é a dona de casa Laura Brown (Julianne Moore, fantástica como sempre), que vive na Los Angeles dos anos 50. Laura tem a vida que todas desejam: possui um casamento feliz, uma casa bem arrumada, um filho dedicado, além de estar grávida da sua segunda criança. Mas algo está faltando e ela não consegue se sentir bem com o que tem. Ela tenta ser a esposa, mãe e amiga perfeita enquanto prepara a festa de aniversário de seu marido, o sobrevivente de guerra Dan (John C. Reilly).

A segunda delas é a editora Clarissa Vaughan (Meryl Streep), que vive na Nova York dos dias atuais. Clarissa é aquela típica mulher rocha, que tudo agüenta e que é o eixo em que as suas pessoas amadas se apoiam. E assim ela vai tocando a sua vida e lutando contra o que sente, durante os preparativos da festa em homenagem ao seu ex-amante e poeta aidético terminal Richard (Ed Harris) – que acabou de receber um prêmio celebrando a sua obra literária.

As três mulheres estão perdidas, tristes e sem perspectivas de mudanças. Cada sentimento desse é passado para a platéia de uma forma quase sensorial. A música de Philip Glass também ajuda muito, afinal traduz todo clima de melancolia que impera no filme. No que diz respeito às questões técnicas – fotografia, direção de arte, figurino, maquiagem – “As Horas” é simplesmente perfeito. Isso sem falar nas atuações devastantes do trio de atrizes principais e do elenco de apoio.

Stephen Daldry e equipe podem orgulhosamente dizer que fizeram uma obra-prima. “As Horas” é um daqueles filmes em que, a cada vez que você o assiste, você percebe algo novo, uma informação diferente, algo que passou despercebido. Em sua essência, “As Horas” é um filme que fala sobre o livre arbítrio da vida, especialmente sobre como cada decisão que tomamos afeta o destino que nós – e as pessoas que estão ao nosso redor – teremos. É um longa pungente, sincero por demais e, em alguns momentos, muito difícil de se assistir, porém assim é a vida, em alguns momentos. E é justamente essa a matéria-prima que move todos os desígnios pelos quais passam, não só a literatura de Virginia Woolf e Michael Cunningham, como também a adaptação de Stephen Daldry e David Hare.



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Comentários


Não sei se ainda tenho elogios para esse filme de tanto que já falei bem dele… Acho que o maior que eu posso fazer é o seguinte: é um longa que cresce com a gente, que se torna maior com o tempo e que sempre nos mostra coisas novas a cada conferida… Perfeito!

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Matheus, pois é. Estou no mesmo caso que você. Sou fã absoluta desse filme. E concordo com seu comentário sobre “As Horas”.

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Poxa, Kamila… Me junto ao time que é apaixonado por As Horas. Acho q a primeira vez q assisti era bem moleque e certamente não captei toda a essência do filme, ainda que tenha me apaixonado de maneira irrestrita por ele. Sempre estou revisitando e encontro algo novo nele, um diálogo, um gesto, enfim, algo que não tinha percebido antes. É um dos meus xodós!

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Eu não poderia deixar de falar sobre um filme tão querido do cinéfila e que passei a apreciar mais depois de virar leitor do site(4 anos assíduos aqui e no Hollywoodiano).Revi o filme(já assisti 3 vezes) e o filme melhora com o passar dos anos.Kamila você concorda que a protagonista do filme é Meryl Streep? e as personagens de Nicole Kidman e Julianne Moore são coadjuvantes da história dela e de Ed Harris(não quero estragar o prazer do leitor que não assistiu ao filme,mas Ed Harris/Meryl Streep e Julianne Moore estão ligados).Outro detalhe é a sensação de que o tempo não passa pela depressão de Laura Brown(que não sabe se posicionar no mundo e muito insatisfeita no papel de dona de casa) e a doença do fillho(as lembranças na vida adulta é um tormento para ele e momentos de pura emoção).A trilha de Philip Glass é excelente(merecia a estatueta)e o elenco estupendo a ponto de merecer um prêmio coletivo em berlim para o trio feminino(apenas o elenco de “Volver” mereceu tamanha honra em Cannes,não me recordo de outro caso) e o roteiro de David Hare que sabe ligar todas as histórias(no extras em DVD tem uma ótima entrevista de Daldry que revela como levou essa história para as telas).Um filme que vou guardar comigo e sempre que vejo lembro do site.

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Wanderley, o que eu mais gosto em “As Horas” é que a gente aprende coisas novas sobre o filme em cada releitura. Sou suspeita para falar do filme, pois é meu favorito, mas é bem isso mesmo.

Paulo, concordo que “As Horas” melhora com o passar dos anos. Não acho que a protagonista de “As Horas” é a Meryl Streep. A história gira em torno das três mulheres, mas o eixo narrativo central é a Virginia Woolf, ela estar escrevendo seu livro, o livro estar sendo lido por Laura Brown e estar sendo vivido por Clarissa Vaughan. Por isso que eu acho que a personagem principal é a interpretada por Nicole Kidman. Existe a sensação, pra gente, de que o tempo não passa, pois todas essas histórias estão ligadas. É como se elas estivessem ocorrendo ao mesmo tempo. Sou fã da trilha de Philip Glass para esse filme e, mais ainda, do elenco. Todos estão impecáveis, sem exceção.

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Kamila, esse é um dos seus melhores textos e concordo com tudo o que você escreveu. A beleza desse longa é tamanha que fiquei completamente boquiaberto quando ele acabou. Tudo nesse filme é perfeição pura: desde a direção sensível do Daldry, ao trabalho impecável de roteiro do David Hare (eu já li o livro, que é tão brilhante quanto o filme, e ele realizou com maestria um trabalho dificílimo de adaptação) à irrepreensível montagem. As atuações desse trio são devastadoras e os coadjuvantes estão ótimos. A trilha é sublime. As cenas inicial e final estão entre os meu momentos favoritos do cinema. Aquela frase final da Virginia Woolf acabou comigo: “…always the years between us, always the love, always the hours”.

Nota: 10,0

Abraços!

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Clóvis, muito obrigada! Sou suspeita para falar de “As Horas”, porque é meu filme/livro favorito, mas o trabalho de adaptação do David Hare e do Stephen Daldry foi muito bem feito mesmo. Em todos os elementos técnicos, este é um filme que se sobressai.

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