Lendo – “Entre os Atos”
“Pelo menos, para mim, houve uma sugestão de que somos parte uns dos outros. (…) Desempenhamos papeis diversos, mas somos os mesmos. Meditem sobre isso. (…) Pensei estar vendo que a natureza também representa um papel. E indaguei: não será ousadia excessiva queremos limitar a vida a nós mesmos? Esquecemos que existe um espírito a inspirar e a pervadir tudo isso… (…) Meditem sobre isso. Não estou aqui para dar explicações. Não me designaram para tal função. Falo apenas como integrante da plateia, um de nós mesmos. Também me vi refletido num espelho que, aliás, por acaso era o meu… (Risos). Lascas, pedaços e fragmentos! Certamente devemos unir tudo isso”. (pgs. 176 e 177)
“Entre os Atos” é uma obra póstuma. Foi publicada pelo marido de Virginia Woolf, Leonard Woolf, quatro meses após a escritora inglesa ter cometido suicídio. Ao entrar em contato com o livro pela primeira vez, já dá para se perceber que o mesmo possui um caráter um tanto experimental. Temos aqui, a grande marca da literatura de Woolf: a ocorrência de uma simultaneidade de eventos, os quais criam um novo tempo narrativo. Nesta obra em particular, por exemplo, numa hora, estamos no período elisabetano; na outra, no período vitoriano; e na que mais importa para o leitor, estamos no tempo presente.
Interessante perceber que Leonard Woolf não mexeu em nada do que lemos em “Entre os Atos”. Ou seja, estamos diante de um livro que não passou pelo olhar mais apurado de um editor. Em consequência disso, todos os pensamentos de Virginia Woolf estão diante da gente. Talvez por causa disso (e também pelo fato da escritora, na época, estar, provavelmente, sofrendo de mais uma de suas crises nervosas – as quais a levaram ao suicídio), boa parte do início de “Entre os Atos” soa confusa e repetitiva. O livro ganha em “lucidez” a partir do momento em que a gente entende a motivação central da história, que fala sobre a montagem de três peças teatrais, num vilarejo inglês.
O título do livro faz menção justamente ao que ocorre entre uma montagem e outra e, como perceberemos no ato final, o importante para a obra é o que acontece entre uma peça e outra – afinal, o tempo presente, aqui, é mais importante que o passado ou a ideia de futuro. A intenção de Virginia, com este livro, é nos fazer perceber que a realidade é refletida em nós mesmos – e que existe uma resistência a isso, no geral. Ela utiliza uma metáfora bem interessante para mostrar este seu desejo, uma vez que ela acredita que somos pedaços, parte uns dos outros e que, apesar de desempenharmos papeis diversos em nossas vidas, somos os mesmos sempre – independente de onde estejamos e a que estamos reagindo.
“Entre os Atos” é uma obra interessante do ponto de vista narrativo. A sensação que eu tive ao lê-la era a de que Virginia estava falando, principalmente, sobre o processo de criação daqueles que se propõem a trabalhar com arte. Ela fala sobre a beleza de criar, da enebriada sensação de ver algo tomando vida, de ver o público tentando compreender e se conectar com o que viu. Ela foi perfeita, neste ponto, ao redigir o seguinte segmento do livro: “o enredo existia apenas para provocar emoção. E não havia senão duas emoções: amor e ódio. Não era preciso decifrar o enredo da peça”. O recado está dado. Não é preciso tentar compreender, basta se deixar levar pela história, basta você se permitir sentir aquilo que ela quer te provocar.
Entre os Atos (2008)
Autora: Virginia Woolf
Editora: Novo Século
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Por várias vezes, nomeu passado, tive preconceito com as obras de Virginia – achava seu argumento sofisticado demais para o meu nível de assimilação literária, o que foi por água abaixo há dois anos, quando li Mrs. Dalloway. Claro, fui fortemente influenciado pelo filme “As Horas”, que amo.
“Entre os Atos” ainda não li, mas entrará em minha lista.
Beijos!
Weiner, a Virginia, para mim, junto de Clarice Lispector, é a escritora que mais me afeta. E “As Horas” foi bom por isso mesmo: muita gente passou a querer entrar em contato com a obra dela. Beijos!
No momento estou lendo O Ladrão de Corpos, estou adorando! Nunca li Virgina, mas estou curiosa. tem 1 fila de tantos livros que quero ler. No momento estou engajada em uma série que tem mais de 8 livros heehe
Mandy, eu também tô com uma fila de muitos livros para ler e, aos pouquinhos, vou me dedicando a ela.
Vim aqui conferir algumas reviews de filmes e me deparo com essa belíssima obra da Virginia sendo comentada. Gamei!
Não conheço nada da obra de Virginia Woolf, só o que sei é do filme As Horas, q sei q és fã.
Adecio, seja bem vindo! 🙂
Cassiano, a Virginia é uma das minhas escritoras favoritas e sou fã de “As Horas” mesmo!
Depois de assistir “As Horas”, dei uma procurada no trabalho da Virginia e li alguns trabalhos dela faz um tempão. E gostei da frase do começo, me arrebatou. Quero ler mais coisas que ela escreveu.
Beijos e tenha um ótimo fim de semana! 😉
Kamila, fiquei com muita vontade de ler esse livro!
Mayara, leia mesmo porque Virginia alimenta a alma. Beijos e ótimo final de semana!
Romeika, leia! É muito bom!
Não leio nada de Virginia Woolf desde Orlando, que na época estava sendo encenado no teatro. Estou querendo ler as novelas dela!
Roberto, leia mais obras dela, sim. São maravilhosas!
Acho essa obra, emocionante, e inesquecivel, ja li, e irei ler de novo, bjs (:
Estou precisando ler um bom livro.O último foi Ensaio Sobre a Cegueira de José Saramago,e isso faz 2 anos.bjs e bom voto hoje.
Candy Pop, que bom! Também adorei o livro. Beijos!
Paulo, ah, eu não consigo imaginar a minha vida sem um bom livro! 🙂 Beijos e bom voto pra você também!
Esse último filme que você vai ver ou já viu rss,foi na minha opinião um dos mais injustiçados do ultimo Oscar.A atuação de Michelle Pfeiffer é muito boa e a história também.Tomara que você goste de Chéri.Stephen Frears é um diretor muito talentoso,bj.
Paulo Ricardo, já assisti “Chéri”. Mas, eu não acho que tenha sido injustiçado ao Oscar. Só a trilha que eu pensaria em indicar, junto com os figurinos. Adoro Stephen Frears! Beijo!
Como você falou ali em cima, passei a ler Woof depois de As Horas, e não me arrependo. Acho que sua marca literária já fincou bases para diversos estudos mais profundos sobre a natureza humana em si. Fiquei curioso agora.
Luís, Woolf é maravilhosa, em vários sentidos! Espero que leia este livro.
E, mais uma vez, estou eu te lendo e terminando a leitura da resenha arrepiado. Seu olhar, singularíssimo, para as coisas que tocam, é impressionante.
Eu tenho esse livro de Mrs. Woolf, aqui comigo, será a minha próxima leitura, isto é, se eu sobreviver a mais um de clarice que termino no momento: “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”. Ulisses me dói, assim como Lóri tem me doido. Sinestesia é o nome que descreve absolutamente todas as palavras escritas naquele livro.
Sorte, um beijo e um abraço carinhoso.
🙂
Magno, obrigada! 🙂 Já li “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”. Um belo livro. Tem uma resenha dele aqui, se você ainda não leu! Sorte, um beijo e um abraço carinhoso para todos nós! 🙂
Acabei agora de ler esse livro. Gostei bastante do texto que você escreveu, concordo com o que você disse.
A meu ver, mais do que decorar trechos dos livros para repetir em mesas de bar (aquilo que se convencionou chamar de o “maníaco do trechinho”) ou ler livros apressadamente para se ter conhecimento enciclopédico e pouco reflexivo, uma postura que muitos costumam adotar e da qual me afasto, acredito que as obras de arte devem ser sentidas. E sentir é o que me parece que Woolf tenta sobrelevar nesse trabalho.
Termino esse e já começo sem pausa outro dela, o “Noite e dia”, com a esperança de, além do prazer estético, encontrar reflexões maravilhosas.
Chauvinismo em gotas, muito obrigada! Também acho que as obras de arte devem ser sentidas e tento escrever minhas resenhas críticas justamente com base naquilo que elas me fizeram sentir. Que bom que fui feliz nesse caso. Virginia Woolf é uma das minhas escritoras favoritas. Aproveite a leitura de “Noite e Dia”.
Acredita-se que a autora era portadora de transtorno afetivo bipolar. Então o termo correto, ao contrário de crise nervosa seria, episódio depressivo ou episódio de mania.
Carla, obrigada pela correção!